D. Guilhermina não sabe
o que fazer às mãos. É um problema das mãos, não de Guilhermina. Um caso para
levar os membros superiores ao psicólogo.
O assunto assume
proporção mais grave quando elas se encontram com algum vizinho ou conhecido, no
bairro. O olhar de Guilhermina baixa, ruborizado, e fica preso nos dedos da mão
esquerda que gostariam de se esconder na mão direita. E vice-versa. Os dedos de
D. Guilhermina não têm jeito para conversetas.
No entanto, quando
estão sozinhos em casa,
sofá rombo no assento e
coberta de chita barata para não sujar o tecido; coluna, cachepô e avenca empapada
em água, pteridófito desmaiado; televisão a remoer baixinho catástrofes
alheias, incêndios, inundações, terramotos, afogamentos, assassínios de avós
por netos, filhos por pais, violações de sobrinhas por tios; entre outros
assuntos domingueiros,
os dedos atiram-se ao croché como gato a bofe,
já que o Antero, animal
fino, não toca em pulmão guisado ou sopas de carapau. Só ração seca para gato
obeso, comprada no Sr. Abílio que a traz a casa de D. Guilhermina, ao segundo
andar de certo prédio.
As mãos sentem conforto
no fundo dos bolsos da bata de fantasia que Guilhermina usa para poupar a blusa
e a saia, não vá o salpico saltar da panela da canja.
As mãos de Guilhermina são
também muito poupadas. Unhas cortadas rente, algumas manchas que a idade gosta
muito de exibir, certas artroses a entortar articulações. Tudo no lugar. Menos
a aliança. As mãos de Guilhermina sempre se recusaram a usá-la.
Que feitio danado! Nada de
converseta, nada de afectos, nada de afagos. Mãos poupadas a enclavinhar-se
até ficarem brancas.
A televisão gosta de atormentar
os dedos de D. Guilhermina que, a certa altura, confundem-se com a agulha que
puxa a linha em velocidade sobre o dedo indicador forçando a linha na laçada. Assim
dão o apoio certo às justas operações de bombeiros, socorristas, médicos,
polícias, enfermeiros, juízes.
As mãos de D. Guilhermina
não gostam de novelas. Preferem os canais de notícias. As notícias exageradas
ou não, atormentam melhor. Enchem-lhe o peito de dor externa, cobrindo a dor
interna, essa um tanto mais feroz.
O Antero e a avenca são
os seus parceiros de disputa e diálogo. São o seu mundo. Nunca tinham precisado
de psicólogo.
O croché alivia a ânsia
do presente porque acrescenta sempre uma nova laçada de futuro. O croché refaz
o passado às mãos de D. Guilhermina porque se mantém quedo e mudo. Retém o tempo
que sobra a D. Guilhermina.
Que psicólogo eficaz é
o croché de D. Guilhermina. E tão em conta!