sexta-feira, 18 de maio de 2018

Sobre o filme «Frantz» de François Ozon, 2016




















Para bem entender o enquadramento clássico deste melodrama precisei de voltar às Folhas da Cinemateca e a João Bénard da Costa.

É bom encantarmo-nos com um filme e sentir que ele nos toma o coração e a razão à medida que os minutos vão passando.

João Bènard da Costa cita «A Oeste Nada de Novo» de Erich Maria Remarque (1929) para citar «The Man I  Killed / Broken Lullaby» de Ernest Lubitsch (1932), filme que é plagiado, adulterado, acrescentado por «Frantz» de François Ozon.

De modo hipotético, pois não conheço o filme de Lubitsch, parece-me «Frantz» uma extraordinária homenagem ao melodrama, ao pacifismo, ao modo narrativo do mestre.

Tudo se centra do olhar de fragilidade, de constante desejo da procura mas de suprema sobrevivência entre Anna e Adrien, interpretados pelos extraordinários actores em contenção e expressividade do sofrimento, Paula Beer e Pierre Niney.

Tudo se centra, aliás, na culpa desculpada da morte em tempos de guerra. Nesse modo de dar crédito ao crime por lei mas que ficará para sempre indelével na alma de quem mata e de quem o desculpa. De quem faz tudo, até mentir piedosamente, para que o sofrimento não alastre como plâncton podre à sua volta: os pais de Frantz, alentados no desalento por um novo falso e caridoso, mas mentiroso, filho, Adrien. Papéis interpretados pelo Marie Gruber e Ernst Stötzner.

Se parece que Lubitsch deixa em suspenso a epígrafe sobre a desculpa social de matar em batalha que não é cumprida pela eterna culpa vincada na alma do assassino, Ozon acrescenta a pena que os sobreviventes cumprem até ao fim, entre a candura das flores depositadas sobre uma campa vazia e a contemplação obsessiva de um quadro de Èdouard Manet «Le Suicidé» (1877).

Vendo «Frantz» de François Ozon, é difícil não ser tocado pelo anti-belicismo e pelo libelo sobre a estupidez de matar a juventude numa batalha. Será igualmente irresistível não ir a correr ver «O Homem que Eu Matei» do inesquecível Ernst Lubitsch, dando todo o crédito melodramático à sua estética pacifista.

Onde se encontrará a verdadeira razão de uma mentira?
Continuemos a ler João Bénard da Costa!

jef, maio 2018

«Frantz» de  François Ozon. Com Paula Beer, Pierre Niney, Johann von Bülow, Marie Gruber, Ernst Stötzner, Cyrielle Clair, Alice de Lencquesaing. França / Alemanha, Cores, 113 min.

domingo, 13 de maio de 2018

Sobre a apresentação do nº 2 da revista «A Morte do Artista». Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa. 26 Maio 2018, 16h30





























Não vivo de sonhos.
Talvez sejam os sonhos que, em sua etérea matéria, vivam de mim. Esqueço-os quando acordo.
Prefiro milagres.

Em 2017, 13 de Maio, Lisboa, Biblioteca Camões, um grupo de peregrinos (Carina Bernardo, Fernanda Cunha, Firmino Bernardo, João Eduardo Ferreira, Manuel Halpern e Paulo Romão Brás) – autodenominando-se «A Morte do Artista» por andarem a vender os próprios livros e demais artes –, resolveram atribuir um prémio literário ao escritor Mário de Carvalho, assim, porque sim, sem o apoio de bancos nem de tamancos, sem academias nem editoriais epidemias. Só porque a nossa leitura merece a elevação de tal escrita e nesta se vai enraizando, lançando felizes caules e flores ou possíveis frutos.

Um ano depois, o milagre reavalia-se a si próprio, deseja voltar e chama à liça, para premiar a sua obra maravilhosa e infinita, lógica e ilógica, real e fantasista, Gonçalo M. Tavares. O segundo número de «A Morte do Artista» aí estará consubstanciado em letras de papel para que todos o possam ver e ler na dimensão de «O Outro», o tema escolhido para a presente edição. O Outro que, afinal, todos nós também somos.

A abrir, a história tentada de Jonathan, original, de Gonçalo M. Tavares.
Fernanda Cunha escreve ao Senhor Swedenborg, contrariando-o respeitosamente. Mais à frente, escreverá do fardo e do fado em que se tornou a humanidade para o homem.
Da Galiza e em galego fala Yolanda Castaño sobre a linguagem do mar e do quase amor. Das palavras que alguém ainda teria para dizer.
Porque os desenhos também são para ler, chamamos para nos ilustrar a leitura da antropo-metamórfica silhueta artística de Rui Vitorino Santos.
Da sorte consabida de Sacha e Sansão sabe Firmino Bernardo. Do azar de Lear e da respectiva descendência tecnologicamente dramática, também.
Vem da fadista de erudição mais veemente, Aldina Duarte, a sua primeira ficção aqui publicada.
Da Catalunha e do catalão chega a crónica do quotidiano ou o quotidiano de uma crónica, de Joan Casas.
Mas de Pedro Vieira não temos o desenho mas a fatalidade do amor: «Lia-o como se morresse».
Faustino Antão relembra Miranda: «L outro, eigual na çfrença». Outras diferenças, outras ficções, outras viagens, estão na escrita psicológica de Nuno Filipe Oliveira e no realismo narrativo de António Silva.
Sobre a distância da saudade, sobre o Verão do Inverno, sobre a eterna dúvida: ‘será que o outro já é outro?’, sobre o romantismo em outros lugares, o lucro da linguagem em ilhas distantes, fala Manuel Halpern.
Finalmente, da filosofia de Gonçalo Marcelo recebemos a reflexão vital sobre o desnorte norteado e a hierarquia truncada da linguagem e da literatura do escritor consagrado. «A bússola de Gonçalo M. Tavares».
Tudo acarinhado pelo grafismo, na capa, contracapa e páginas centrais, na inquieta gravidade, na serena expectativa das artes de Paulo Romão Brás.

Não haverá sonhos em noites de Verão que não se esqueçam, mas deste milagre recorrente haverá muito para ler e olhar, que das minhas linhas nele incluídas eu aqui não comento.

Basta comprar a revista por 4,00 euros, disponível a partir do dia 26 de Maio.

Deixo, então, um abraço grande até esse dia 26 de Maio de 2018, um sábado luminoso, pelas 16h30, na Biblioteca Palácio Galveias, Campo Pequeno, em Lisboa. A entrada é livre e para todos. Daremos o prémio com a presença do escritor. Lancharemos e brindaremos à vida, às artes e à literatura também. Estaremos felizes por esta realidade. Milagre? Também sonho permitido.

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jef, maio 2018

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Sobre o livro «Nova Asmática Portuguesa» de Nuno Moura. Mariposa Azual, 2013 (2ª Edição)












Sem saber por que razão, este livro tem vindo a acompanhar-me num certo delírio de leitura. É um livro intrigante porque de cada vez que releio algum dos textos-poema, traz ele um tema diferente. Caleidoscópio, diria o fazedor de ópticas. Metamórfico ou metamorfizado, diriam o geólogo ou o entomólogo, confundindo as palavras e o étimo semelhante, o mesmo significado. Ovídio sabia-o há dois mil e tal anos.
Sempre que pego no livro, sempre o imagino a ser lido em voz alta pelo autor, certamente por já ter tido o privilégio. Nesse momento, a coisa muda de figura. Volto ao início.

Para Nuno Moura, ou melhor, para mim, esta «Nova Asmática Portuguesa» deve ser tomada por «Nova Gramática Portuguesa», por óbvio. Novo dicionário também. Substantiva-se aquilo que se adjectiva, adjectivando o substantivo, apenas para clarificar o sentido e dar uma nova vida a este último. Aqui percebemos que a língua ou o modo como a entendemos e criamos é um ermo sem fim. Por isso, devem ser adicionadas todas as novas palavras que desejarmos.

Em «A Nova Asmática Portuguesa», a semântica como evolução das palavras e do seu significado, ou a sintaxe, como a ordem das palavras num período e num parágrafo, a ordem incerta dos respectivos símbolos, ficam em carne viva ou em barro húmido para que o leitor as trinque ou as molde.

Do sangue ou da argila resultante, poderá este, então, organizar todas as suas histórias possíveis. Histórias informes de riso sanguíneo ao bom estilo ‘John Carpenter’ ou de massa tradicional dos bonecos do presépio comprados na feira da Mercês.

E aos costumes disse N.M. nada!

«anda um noitibó nas suas malzas telhas
luando um porço de fatigo
saco muscular nabo
para o menos que a cabeça vai gruando.»  N.A.P. página 13

jef, abril 2018

(A fotografia é de Anhoa Valle)