sexta-feira, 29 de junho de 2018

Sobre o filme «Primavera Tardia» de Yasujiro Ozu, 1949














É fácil dizer que este é um dos mais belos filmes o mundo.
Observa a lenta estratégia de nele nada se passar, para além do Tempo.
Apenas podemos contar com a cerimónia e os sorrisos trocados entre Shukichi (Chishu Ryu), o velho pai, e Noriko (Setsuko Hara), a filha que o acompanha com alegria e devoção. Assim deve ser a vida: as gerações passam, a guerra terminou, os costumes americanizam-se. A tal vida passa. O casamento impõe-se. E a fantástica cena no teatro kabuki revela tudo. O pai sorri e acena a uma mulher que sorri também. A filha repara e o olhar tolda-se, perde a serenidade, revela a surpresa, a incompreensão, talvez o ciúme. Certamente, o fim de uma alegria que pensava sem termo.
Por fim, a filha casa-se tristemente. O pai regressa a casa e senta-se num cadeirão a descascar uma maçã. A casca fica suspensa e, num instante, quebra-se. A cabeça pende. E o mar devolve a verdadeira eternidade da solidão.

Sim, é um dos mais belos filmes do mundo!

jef, junho 2018

«Primavera Tardia» (Banshun) de Yasujiro Ozu. Com Chishu Ryu, Setsuko Hara, Yumeji Tsukiota, Haruko Sugimura, Hohi Aoki, Jun Usami, Kuniko Miyake, Masao Mishima, Yoshiko Tsubouchi. Música: Senji Ito. Japão, 1949, Preto e Branco, 103 min.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Sobre o livro «Gente Séria» de Hugo Mezena. Planeta, 2018














Se eu quisesse, diria que o óptimo livro de Hugo Mezena, «Gente Séria», se inscreve nesse modo anti-neo-realista da escrita sincopada, quase asceta, de Filomena Marona Beja, assim poupa vocábulos, inscreve a paisagem e fractura a narrativa; cruzado pelo lado íntimo com que Lídia Jorge expõe as feridas impostas pela sociedade ao indivíduo.

Comparei, limitei. Logo sou um mau crítico. Peço desculpa a Filomena Marona Beja e Lídia Jorge. Principalmente, penalizo-me perante Hugo Mezena, autor de um romance, primeiro e de fôlego, em que cada página conta, de rajada, uma micro-história da vida de um rapaz observador com um avô Jorge patriarcal que escarra para o pátio, um pai maternal, um tio Alexandre que se insinua quase como personagem reflexo marcando o percurso narrativo da história que se passa entre os anos de 1987, 1991 e 1995.

Hugo Mezena não crítica ostensivamente a vida da comunidade de Benomilde, lá para o Norte, com professores primários definitivos, padres à antiga, autarcas à moderna. O autor gosta, antes, de contar uma história trágica e cómica, cheia de pormenores requintados e um humor fino e social que começa logo pelo título. «As pessoas com dinheiro fazem isso: olham como lhes apetece. Mas também para onde lhes apetece e durante o tempo que lhes apetece» e, mais à frente, vendo pelo outro lado «Uma pessoa só vê a sua própria figura quando já não está a tempo de não se envergonhar.» É obra!

Um livro de consciência e vigor que toca o lado ficcional de um tal «novo» neo-realismo que muito necessitamos para compreendermos este difícil mundo, actual e real.

jef, junho 2018

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Sobre o livro «Veracruz» de Olivier Rolin. Sextante, 2017














Olivier Rolin é um escritor que dificilmente se liberta da vocação de viajante, de solitário, de literato. Ele constrói-nos o mundo através desse romantismo extremo do fim da viagem que é o desejo de regressar a casa. E partir de novo. Em Rolin, os livros são o garante do retorno, quantas vezes também de um abandono triste, tão distante do dia de partida. Acima de tudo, já tão diferente.

Mas a novela «Veracruz» aproxima-se de um outro romantismo, o do amor concreto, certamente vital, certamente funesto porque fugaz. De certo modo, invulgar no trabalho do escritor francês.

1990, Veracruz, México. O bar «El Ideal» a lembrar o «Tropicana» de Havana e «Nighthawks» de Hopper. O ciclo de conferências «Proust irrita-me». Na primeira das 90 páginas parece que vamos correr atrás daquele frenesim estático à Vila-Matas. Mas não.

Avizinha-se uma tempestade e, numa sala de certa casa senhorial, em silêncio, Inácio, Miller, El Griego e Susana, medem rigorosamente os movimentos uns dos outros enquanto organizam o contrabando de charutos desfazendo a velha biblioteca. Odeiam-se ou amam-se ou já se amaram. «Se as minhas pálpebras lábios fossem» Inácio lembra os sonetos de Francisco de Quevedo. O século de ouro. Uma noite de tormenta.

A narrativa chega anónima às suas mãos e ele aguarda desesperado e bêbado a entrada da voluptuosa liberdade de Dariana. Pouco mais ele saberá dela após a partida instantânea. A cronologia investigada parece ser anacrónica. A tempestade não condiz. Dariana também não.

Muito mais nós ficamos a saber desse amor inconcluso. Olivier Rolin deixa-nos suspensos e a leitura renovada de velhos textos contém a parábola (ou paranóia) inconstante da diferença. Um erro na tradução pode conter a explicação de um eterno amor findo.

jef, junho 2018

terça-feira, 26 de junho de 2018

Sobre o filme «Western» de Valeska Grisebach, 2017

















É um filme extraordinário, no primeiro sentido da palavra. Fora do comum. Que questiona o homem na sociedade que pode não ser a sua. Que nos pergunta o que andamos por aqui a fazer.

Uma empresa alemã desloca um grupo de trabalhadores para o extremo da Bulgária, perto da fronteira grega. Vão construir uma barragem hidroeléctrica. Mas a água escasseia.

Esta é a história de Meinhard (Meinhard Neumann), um desses trabalhadores alemães. Fala muito pouco, observa mais. Observa o seu passado. Sente-se peixe fora de água mas tem a vocação interior de ir mais longe. De chegar à aldeia que está próxima.

«Western» é um filme que começa já a história vai a meio e termina quando ainda não se disse tudo. A vida é mesmo assim! É esse o mote extraordinário que coloca Meinhard do lado de fora, apesar de chorar quando fala do irmão ao seu «irmão» búlgaro. Talvez a cena mais sintomática do filme.

Outra cena que atesta o teor político do filme é o hastear da bandeira alemã como posto de um empório em solo hostil. Quase cómica. Uma bandeira que acaba por ser resgatada do curso do rio, das mãos dos búlgaros bêbados, quase represália do resgate de um certo chapéu feminino. Machismo? Xenofobia? Resistência? Imperialismo? Antropologia?

Meinhard tudo questiona no silêncio de um cigarro e de um copo. Não se quer intrometer mas está no centro do mundo, no centro do seu mundo. Não se pode excluir desse mundo que, afinal, búlgaro ou alemão, não é o seu. Apenas, um cavalo branco é o garante da exigida integridade (ou liberdade) existencial.

A oeste nada de novo, parece o título fulcral significar.

jef, junho 2018

«Western» de Valeska Grisebach. Com Meinhard Neumann, Reinhardt Wetrek, Syuleyman Alilov Letifov. Alemanha / Bulgária / Áustria, 2017, Cores, 119 min.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Sobre o livro «A Devastação do Silêncio» de João Reis. Elsinore, 2018.













«Encontrava-me ali contrafeito.» 
Começa o romance de João Reis.
Um homem conta a um amigo as suas lentas peripécias num campo alemão para soldados aliados durante a guerra das trincheiras. Ele é graduado mas os papéis desapareceram. Tivesse ele a documentação e estaria noutro local, acomodado como oficial. Ali, tem de suportar a fome, sempre a fome, a imensa fome e a comichão…
… mas ao amigo (com dois bilhetes de comboio, porque um talvez seja pouco) não lhe interessa o dia-a-dia na caserna. Apenas lhe interessa um assunto muito particular que será narrado no final. Aguarda-o e escuta com mais ou menos bules de chá na sua frente.

Quem conheça as anteriores ficções de João Reis sabe que ele é um escritor que não se acomoda na facilidade, muito menos na moda. Não esperemos narrativas previsíveis. Contudo, a sua escrita está enraizada nesse existencialismo pós-romântico tão ao jeito do centro e do norte da Europa. Para nós, sempre a Leste. A angústia paciente de Kafka, a desorientação controlada de Knut Hamsun, a raiva estratégica de Dostoievksy. A narrativa truncada pelas reviravoltas da vida, sem incipit expectável ou final onírico.

Também o nosso personagem percorre a fome, a devastação do silêncio, a incompreensão do lugar e a disfuncionalidade da instituição. E sobrevive ao modo e ao seu tempo. Tal como os personagens de «A Liberdade de Pátio» de Mário de Carvalho (2013) ou «O Deserto dos Tártaros» de Dino Buzzati (1940).

p.s. E é um livro ilustrado pelos desenhos de Lord Mantraste. Capa dura e em papel coral de 80g. Uma maravilha.

jef, junho 2018


quarta-feira, 20 de junho de 2018

Sobre o livro «12 Histórias para a Inês» de Carlos Alberto Machado e João Concha. não (edições), 2017












E qual a razão de, num livro ilustrado, darmos sempre o primeiro crédito ao texto escrito e o segundo lugar ao texto desenhado? Qual a razão, o critério, a hierarquia? 

Tradição cultural?

Neste caso, a discussão pouco importa, pois a estrutura das 28 páginas, sem contar a capa, impõe o paralelismo absoluto entre o texto de Carlos Alberto Machado e as ilustrações (e, suspeito, grafismo e maquetação) de João Concha. Nestas 12 histórias para a menina Inês, ela entra, entram também os amigos e família, sonhos, dúvidas, areias e marés, num certo rodopio literário onde as personagens pintam tanto as ilustrações como deixam manchas gráficas por baixo (ou por cima) do texto. Digamos que o papel munken pure torna-se «manuseado», «relido», como se estivesse sujo pelo tempo que a infância exige para uso próprio. A própria dimensão, 20 x 20cm, deixa-nos prontos para revirar as páginas de modo circular… a dita quadratura!

Como qualquer livro fala-se ainda de viagens, carros, cães, pais natais, amigos imaginários e dos outros. Enfim, a vidinha…

É o terceiro número da Colecção Alice e eu tenho a sorte de ter um exemplar comigo. É o octagésimo terceiro de 100 exemplares. Um facto que está manuscrito na última página, em estilo e estética.

jef, junho 2018                

Sobre o filme «Esplendor» de Naomi Kawase, 2017
















«Esplendor» parte de uma premissa tão simples quanto radical. A luz confunde e tolda os restantes sentidos ou, para quem não vê, a luz tem de ser traduzida pela palavra certa. Qual será, então, a palavra correcta para transcrever a luz branca entre tantas a escolher entre os dicionários?

O filme tem um lado comovente inexcedível. A jovem Misako (Ayame Misaki) vê e trabalha numa empresa que promove áudio-filmes para invisuais. Como consultores técnicos a empresa tem vários cegos ou ambliopes que vão corrigindo o trabalho. Entre eles está o famoso fotógrafo Nakamori (Masatoshi Nagase) que está prestes a perder a visão e a memória visual de uma vida artística. Misako perdeu o pai.

O modo como o espectador acompanha o trabalho duro de procurar a palavra certa sem obscurecer um filme que não vai ser visto mas sim ouvido, é extraordinário e entusiasmante. Contudo, existe neste filme, aliás como nos anteriores da realizadora, uma pecha de que ela não se tem livrado. Enquanto Naomi Kawase procura desenvolver a narrativa sob a égide clássica de Yasujiro Ozu ou Kenji Mizoguchi (o que é bom), o espectador nunca deixa de sentir que, por fim, ela começa a ter comiseração pelos próprios dos personagens (o que é mau).

De qualquer modo, «Esplendor» é um belo filme, ecuménico, terno e tolerante, que, quase no final, pisca o olho a dois filmes do meu coração. «A Flauta Mágica» de Ingmar Bergman (1975) e «Shirin» de Abbas Kiarostami (2008).

jef, junho 2018

«Esplendor» (Hikari) de Naomi Kawase. Com Masatoshi Nagase, Ayame Misaki, Tatsuya Fuji. França / Japão, 2017, Cores, 101 min.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Sobre o filme «As Praias de Agnès» de Agnès Varda. França, 2008


















O caminho que os filmes de Agnès Varda têm levado seria resumido como o caminho da Ecologia. No primeiro sentido da palavra. O caminho da casa, da infância, do retorno ao que nós fomos, ainda somos, mas simultaneamente já desapareceu. A memória tenta recuperá-lo mas vai-lhe alterando os contornos. Agnès Varda tem consciência do facto. Usa-o como modo narrativo.

O caminho de «As Praias de Agnès Varda» também é ecológico no segundo e mais recente significado da palavra. Ela recicla todos os materiais-memórias, sabendo que reciclar é buscar no passado para construir uma ponte para o futuro, e deste para um Futuro Novo. Agnés Varda tinha 72 quando realizou «Os Respigadores e a Respigadora», 80 anos quando filmou as suas praias. Aos 90 anos, realiza «Olhares Lugares» sobre as faces e as paisagens francesas que se vão desvanecendo. Mas ainda existem.

Por isso, ela usa espelhos e fotografias. Anda para trás. Obriga outros a recuar. Fala da guerra, de judeus e da sua perseguição, fala da América e das lutas estudantis, fala das viagens com os irmãos e os pais pela Bélgica, por França, de carro, de barco, em fuga. Fala das suas exposições de fotografia. Fala de Jacques Demy, dos filhos e netos. Fala das suas casas e dessa reconstrução eterna na vida que se escoa pelos dedos do dia que chegará. Até ao último.

Agnès Varda fala-nos desse último dia mas sempre com a alegria da criatividade e diz que sempre poderemos comemorar um outro e próximo aniversário, onde nos oferecerão oitenta e mais uma vassouras. Temos é que rir do passado e sonhar com o futuro.

jef, junho 2018

«As Praias de Agnés» (Les Plages d`Agnès) de Agnès Varda. França, 2008.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Sobre o filme «O Quarto Azul» de Mathieu Amalric, 2014


















George Simenon tem essa característica distintiva de deixar a dúvida no romance policial. Não tanto na mão de quem pratica o acto mas muito mais no sistemático existencialismo de que sustém o crime. Apesar do juiz soberano, o crime tem sempre dois lados humanos pelo qual se pode analisar a narrativa.

Mathieu Amalric não consegue fazer dois filmes iguais e agrada-lhe sobremaneira colocar sobre o espectador a questão da culpa e da sua determinação. Ao longo do inquérito policial e da análise judiciária, os constantes flash-backs (ou analepses, como o nosso amigo Mário de Carvalho gostaria de referir) vêm dar a tonalidade da paixão entre Julien Gahyde (Mathieu Amalric) e Esther Despierre (Stéphanie Cléau). Uma paixão escondida num lugar ermo e restrito onde será difícil esconder alguma coisa. Uma paixão, principalmente.

Tão ao gosto de Simenon, Mathieu Amalric consegue realizar um filme policial onde o amor, o rancor, a aproximação e a fuga, são veladas pela luz azul, que tanto tem de frio calculismo como de terno aconchego. Uma luz azul que as partituras de Grégoire Hetzel ou Bach deixam a marca angustiante, quase nostálgica, dos amantes unidos na separação. Definitiva.

jef, junho 2018

«O Quarto Azul» (La Chambre Bleue) de Mathieu Amalric. Com Mathieu Amalric, Léa Drucker, Stéphanie Cléau, Laurent Poitrenaux, Serge Bozon. Segundo o romance de George Simenon. Produção: Paulo Branco: Música: J.S.Bach / Grégoire Hetzel. França, 2014, Cores, 76 min.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Sobre o filme «Tabu: Gohatto» de Nagisa Oshima, 1999


















Talvez o engano, essa estratégia da narrativa para que a atenção se lhe cole, esteja contido sobretudo no título: «Tabu». A lei que que não pode ser transgredida. Estamos no Japão, final do século XIX, os clãs (ou seitas) de samurais lutam entre si para que a honra e a lei não sejam ultrapassadas. Entre os grupos de instrução castrense a homossexualidade não é uma lei que não deve ser transposta, ou seja, a homossexualidade não é tabu.

No entanto, quando um muito jovem instruendo é integrado no grupo, belo e andrógeno, a hierarquia militar é perturbada. Pelo amor, talvez antes, pelo desejo do amor. O engano e a traição não podem ser tabu. Passam a ser lei.

Nagisa Oshima vai levando a relação de poder e sedução entre os militares por caminhos sinceros ao som da música de Ryuichi Sakamoto, até que o espectador deixa de poder olhar os rostos dos executores e as figuras passam a sombras que teimam em impor a sua vontade através da lei da lâmina.

Mas o código tem de ser imposto, cumprido. Quem o ultrapassa será executado.

Nagisa Oshima coloca o desejo reprimido nessa equação difícil de um  modo fundamental, trazendo o espectador até à cena final, esteticamente dramática, quase onírica, onde uma pequena cerejeira em flor é violentamente decapitada. A poesia é assim.

jef, junho 2018

«Tabu: Gohatto» de Nagisa Oshima. Com Takeshi Kitano, Ryuhei Matsuda, Shinji Takeda, Tadanobu Asano, Yoichi Sai. Música: Ryuichi Sakamoto. Japão, 1999, Cores, 100 min.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Sobre o filme «Cabaret Maxime» de Bruno de Almeida, 2018











O filme é, acima de tudo, Stella. A personagem trazida pela mão de Ana Padrão. A sua angustiada bipolaridade, a arrastada demência, a serenidade falsa e depressiva, conseguem criar a densidade que talvez o filme, de outro modo não teria, centrado na própria bipolaridade entre as cenas musicais de palco e aquelas outras, campo-contra-campo, onde meliantes e gerentes da noite trocam palavras azedadas e violência contida. Até que, depois, ...

Este filme é Manuel João Vieira, a sua figura Zampino, a sua escolha musical, os Ena Pá 2000, as suas starlets, que fazem de um filme simples, um bom filme musical.

Este filme também é John Ventimiglia que interpreta Veebie, o arrasador apresentador, que ilumina as noites do Cabaret Maxime, aquela figura que faz acreditar nas noites de Lisboa que já desapareceram, que lembra Tom Waits.

Como um filme comum se pode tornar um filme muito simples. Sustentável e coerente.

jef, junho 2018

«Cabaret Maxime» de Bruno de Almeida. Com Michael Imperioli, Ana Padrão, David Proval, John Ventimiglia, Drena De Niro, Nick Sandow, Mike Starr, Sharon Angela, Arthur J. Nascarella, Celeste Rodrigues, John Frey, Anthony Siciliano, Manuel João Vieira, Jani Zhao . EUA / Portugal, 2018, Cores, 94 min.

Sobre o filme «O Workshop» de Laurent Cantet, 2017









Perto da cidade de Marselha, durante o Verão sem aulas, um grupo de jovens, mais ou menos motivados pela imposição do centro de formação, reúnem-se num atelier de escrita narrativa moderado pela autora de livros policiais Olivia Dejazet (Marina Foïs). Terão de discutir, organizar e escrever uma ficção policial. O tema é livre.

O que faz este filme mesmo muito cativante, diria estratégico, se o enquadrarmos nessa boa categoria de filmes sociais que a cinematografia francófona nos tem dado, é o facto de colocar o espectador entre a perspectiva social e histórica de uma região de combate operário, cuja mistura étnica e religiosa lhe acrescenta um outro e importante grau de conflituosidade e, por um lado, o lado íntimo, quase voyeurista, de quem teima em escrever e, para isso, deseja ir mais longe, investigar, ceder, tocar talvez o lado proibido da privacidade.

O melhor do filme é exactamente essa estratégia de conflito que se vai estabelecendo num crescente modo de filme policial (sem policias) entre a voluntariosa escritora que anseia que o editor aprove a sua prosa menos inspirada, e Antoine (Matthieu Lucci) que, apesar da sua escrita mais viva despertar alguma inveja em Olivia, teima o confronto com o tédio a que a sua adolescência sem grande futuro o obriga.

jef, junho 2018

«O Workshop» (L'Atelier) de Laurent Cantet. Com Marina Foïs, Matthieu Lucci, Florian Beaujean, Warde Rammach, Julien Souve e Issam Talbi. Argumento: Laurent Cantet e Robin Campillo França, 2017, Cores, 133 min.


sexta-feira, 1 de junho de 2018

A lebre









Sinceramente.
A lebre está alerta. Espeta as longas orelhas.
Escuta o movimento do vento.
O silêncio das árvores.
Os cheiros e os passos.
Nada diz sobre a morte. Apenas ouve.
Nem a caçadeira está ainda apontada.
Até o sangue murmura inaudito
como um grão de chumbo a rolar no fundo da ribeira.
A lebre mantém-se alerta. O Verão chegou.
Fechamos os olhos. Aprisionamos o ar no coração.
Talvez amanhã ainda seja dia.

jef, junho 2018