segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Sobre o filme «Movimento em Falso» de Wim Wenders, 1975


























No início, a mãe de Wilhelm (Marianne Hoppe) coloca-lhe na mala de viagem dois livros: «A Vida de um Imprestável» de Joseph Freiherr Von Eichendorff e «A Educação Sentimental» de Gustave Flaubert. Wilhelm (Rüdiger Vogler) deseja ser escritor e parte em viagem pela Alemanha. Encontra Laertes (Hans Christian Blech), um rei de Ítaca colaboracionista nazi e cantor, Mignon (Nastassja Kinski) uma artista de circo que nunca fala, Therese (Hanna Schygulla), uma actriz famosa, Bernhard (Peter Kern), um poeta austríaco que procura a essência da crítica, um industrial suicida (Ivan Desny). Todos têm um percurso a executar, uma memória a liquidar. Contudo nenhum consegue contar a história por inteiro. Discutem a dimensão da palavra, da poesia ou da política enquanto as crianças brincam e correm em torno de uma Alemanha que procura um leito tal como o rio que corre absorto ao longo da estrada. É aí que o grupo se separa e Wilhelm, sozinho, sobe ao topo da montanha e regressa a imagem daquele que caminha sobre o mar de névoa de Caspar David Friedrich.

O argumento é de Peter Handke sobre a novela «Wilhelm Meister LehrJahre» de Goethe. A montagem do filme (Peter Przygodda e Barbara von Weitershausen) é arrepiante de intensidade, movimento sincronizado, capacidade narrativa. A música (Jürgen Knieper) aprofunda tragicamente a frustração. Porém, a vida continua sobre (ou sob) as ruínas do presente.

Um filme fundamental sobre a nossa Europa, o nosso Mundo de hoje.

jef, dezembro 2019

«Movimento em Falso» (Falsche Bewegung) de Wim Wenders. Com Rüdiger Vogler, Hanna Schygulla, Nastassja Kinski, Peter Kern, Ivan Desny, Marianne Hoppe, Lisa Kreuzer, Adolf Hansen. Argumento: Peter Handke baseado no texto «Wilhelm Meister LehrJahre» de Goethe. Fotografia: Robby Müller e Martin Schäfer. Montagem: Peter Przygodda e Barbara von Weitershausen. Música: Jürgen Knieper. Alemanha, 1975, Cores, 93 min.


sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Sobre o filme «Ao Correr do Tempo» de Wim Wenders, 1976














«O tempo é a nossa história».
Qualquer coisa assim vai sendo repetida entre os dois quase amigos na viagem que fazem, quase involuntariamente, ao longo de uma fronteira que desejam mas também temem usurpar. A fronteira geográfica estabelece mais a fractura entre gerações entre guerras do que o paralelo que separa ocidente e oriente. Que venha a América, já que a exibição de cinema e a impressão de jornais andam desfocadas da actualidade e a amizade, o suicídio, a condição humana, são coisas a serem discutidas aprofundadamente.
Uma “neue Welle” definida esteticamente pela arquitectura crua das linhas que apontam para o escombro e a vontade de futuro, onde a ternura e o riso são tão importantes quanto a necessidade de ruptura. Os actores sem duplos, sem rede, tomados a nu pelo passado e pela paisagem.
Quando surgiu o filme, o mundo andava numa roda-viva, entre bombas, convulsões, terrorismo e revoluções. O mundo precisava de filmes e jornais. Víamos deslumbrados Wim Wenders, Reiner Werner Fassbinder, Andrei Tarkovksy…
O mundo agora continua numa roda-vida e a necessitar com urgência de salas de cinema e imprensa séria.
E eu continuo deslumbrado por «Im Lauf der Zeit»!

jef, dezembro 2019

«Ao Correr do Tempo» (Im Lauf der Zeit) de Wim Wenders. Com Rüdiger Vogler, Hanns Zischler, Lisa Kreuzer, Rudolf Schündler, Marquard Bohm, Hans Dieter Traier, Franziska Stömmer, Peter Kaiser, Patrick Kreuzer, Michael Wiedemann. Argumento: Wim Wenders. Fotografia: Robby Müller, Martin Schäfer. Música: Axel Linstädt. Alemanha, 1976, preto e branco, 175 min.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Sobre o 16º Auto de Natal «Ser Rei», promovido pela Irmandade da Misericórdia de São Roque, Dezembro 2019. Igreja de São Roque, Lisboa















Neste momento, dia 23 de Dezembro de 2019, pelas 15h00, na belíssima Igreja do Largo Trindade Coelho, está a ser representado o 16º Auto de Natal «Ser Rei», promovido pela Irmandade da Misericórdia de São Roque.

Este ano brincam eles aos reis, sublinha Ana Lázaro, a autora. O rei Herodes é déspota mas piegas. Os reis Magos são generosos e viajados. O rei Menino Jesus está aí a chegar e já provoca ciúmes, inveja, apreensão por concorrência régia.

Há reis para todos os géneros, mas aqui são todos bonzinhos, desde os mais pequeninos (do Parque Infantil de Santa Catarina) até aos mais velhos (do Centro de Dia do Alto do Pina), no coro, que cantam modas antiga, muito antigas, divinas, vindas de um velho Portugal, de um velho Cabo Verde. Eles cantam e comovem-nos. Dizem que ser rei é renascer para a consciência e para sermos bons. Um belo conceito moral e político. Quem nasce pode vir a mudar o mundo. Um milagre!

O Auto de Natal na Igreja de São Roque, todos os anos, a não perder. A ver entre amigos e com muita festa. Isto é o que teoricamente se chama Natal, quer seja cristão, pagão ou mesmo ateu.

Abraços de boas festas.

jef, dezembro 2019

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Sobre o filme «Graças a Deus» de François Ozon, 2018
















Este filme é uma ficção baseada em factos reais. Avisam-nos no início. Na região de Lyon, o padre Bernard Preynat (Bernard Verley) abusou recorrentemente de dezenas (ou centenas) de jovens escuteiros que tinha à sua guarda. Os factos ocorreram nas décadas de 1980-1990 mas só vieram a público em 2014-2015. A denúncia dos crimes, o confronto com a cumplicidade assumida da hierarquia católica e a posterior acção judicial, é iniciada por Alexandre (Melvil Poupaud), a que depois se juntam François (Denis Ménochet), Gilles (Éric Caravaca), Emmanuel (Swann Arlaud) e muitos outros.

O filme tem uma rapidez entusiasmada de mestre, podendo dizer-se que é quase um filme epistolar pois, enquanto decorre toda a sequência de peripécias narrativas, vamos escutando em voz off o teor de múltiplos e-mails trocados e de cartas guardadas mais ou menos em segredo. Poupa François Ozon tempo e filme, ganha o espectador em expectativa cinéfila. Tudo decorre nas mãos e na expressão de um monte de belíssimos actores.

Um filme político de denúncia de crimes exumados da cripta perversa, mórbida e criminosa, de uma igreja católica que não sabe olhar e gerir a sexualidade das suas confrarias com a necessária naturalidade. Justiça seja feita ao Papa Francisco que, com tanta resistência , tem vindo a dar cada vez mais atenção judiciária ao assunto!

Um filme inteligente, escorreito e firme mas que não tem tempo de expressar a vocação emocional que outros tantos filmes de François Ozon já demonstraram.

jef, outubro 2019

«Graças a Deus» (Grâce à Dieu) de François Ozon. Com Melvil Poupaud, Bernard Verley, Denis Ménochet, Swann Arlaud, François Marthouret, Éric Caravaca, Bernard Verley, Martine Erhel. Argumento: François Ozon. Fotografia: Manuel Dacosse. França / Bélgica, 2018, Cores, 137 min.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Sobre o filme «Tommaso» de Abel Ferrara, 2019
















O melhor do filme é mesmo Willem Dafoe. Esse gentil monstro, criança aflita, que marca de modo tão plástico todas as cenas de uma família quase normal. Tommaso, realizador a preparar o argumento de um filme está em crise, não propriamente de criatividade mas da tal “normalidade”. Vive em Roma com a esposa e a filha pequena, dá aulas de expressão dramática e dança, vai a sessões dos alcoólicos anónimos, à noite enerva-se com os sem-abrigo barulhentos, vai às compras, passeia nos jardins, vai arranjar o candeeiro. A família rouba-lhe espaço e afecto, tem pesadelos e uma ou outra alucinação. Normal. A posição de Tommaso no centro de cada cena, câmara junto ao rosto e a expressão marcada pelas rugas, é sintomática de uma cidade quente mas intimamente solitária.

Muito curioso, esse lado de Abel Ferrara ao colocar a sua própria esposa e filha (Cristina Chiriac, Anna Ferrara) nos braços de Tommaso, persona dele próprio. Tal como recentemente fizera Pedro Almodóvar em «Dor e Glória» com a persona do realizador Salvador Mallo interpretado pelo também ‘plástico’ Antonio Banderas. Só que aqui a moral da história parece ser: ‘a vida normal levará à loucura!’.

Pena é que, aqui e ali, o caminho da narrativa se vai enrolando em momentos ‘quase banais’, coisa que não se espera de Abel Ferrara ou de Willem Dafoe.

jef, dezembro 2019

«Tommaso» de Abel Ferrara. Com Willem Dafoe, Cristina Chiriac, Anna Ferrara, Stella Mastrantonio. Argumento: Abel Ferrara. Fotografia: Peter Zeitlinger. Itália, 2019, Cores, 115 min.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Sobre o filme «Onde Estás, Bernadette?» de Richard Linklater, 2019
















Parece-me que este filme saiu um pedacinho ao lado da intenção do realizador de filmes-teatro com actores-irmãos que figuram e configuram o espaço como se fosse deles. Assim acontecia em «Boyhood – Momentos de Uma Vida» (2014), «Antes do Amanhecer» (1995), «Depois do Anoitecer» (2004) ou «Depois da Meia-noite» (2013).

Aqui, Cate Blanchett faz de Bernadette Fox, uma arquitecta de renome que, após um desaire de engenharia ou de finanças em certo projecto, sai de Los Angeles para Seattle e centra-se na família e na sua nova casa, um palacete arruinado, afugentando tudo e todos os que lhe passam pela frente. Excepto a sua filha Judy (Judy Greer) que propõe para prémio de fim de curso uma ida em família à Antárctica. Contudo, as coisas complicam-se e ela resolve fugir sozinha.

O problema é que nem Cate Blanchett consegue vingar na torrente de palavreado que a ansiedade paranóica da personagem lhe exige, nem o filme consegue sair por um instante do registo de telefilme de domingo à tarde. Chuvoso.

Nem há suficiente paisagem gelada, nem um único pinguim-imperador, e só de relance vislumbramos a maravilhosa fotogenia de Cate Blachett.

jef, dezembro 2019

«Onde Estás, Bernadette?» (Where'd You Go, Bernadette) de Richard Linklater. Com Cate Blanchett, Kristen Wiig, Judy Greer, Laurence Fishburne, Billy Crudup, Megan Mullally, Emma Nelson, James Urbaniak, Troian Bellisario, Zoe Chao. Argumento: Rchard Linklater, Holly Gent e Vincent Palmo Jr. segundo o romance com o mesmo nome de Maria Semple. EUA, 2019, Cores, 109 min.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Sobre o livro «Peregrinação» de Olivier Rolin. Sextante, 2019. Tradução por Joana Cabral.















Olivier Rolin está nos Açores, ilha do Faial. Visita o observatório meteorológico e sismológico e vê com atenção as agulhas que gravitavam com tinta sobre os aparelhómetros. Diz:
«Escrever grandes coisas com a delicadeza das patas de um insecto, em suma, traçar grandiosos gatafunhos, não será este o ideal de qualquer escritor?» pp. 25

Olivier Rolin, escritor francês, melhor conhecedor de Portugal, ou eterno espectador de Portugal, instala-se em Cascais, numa residência literária, rodeia-se de mar, Fernão Mendes Pinto, Camões e Álvaro de Campos, e mergulha nessa capacidade de ser nostálgico em que, diz, serem os portugueses verdadeiramente honestos.

Rodeia-se de dezenas de cadernos de apontamentos, vai decifrando-os e falando, sem ordem aparente, de forma circular como o mundo que não tem fim, ou escrevendo, sobre as viagens que teve de fazer ou foi impelido, por vocação ou instinto, a fazer. Também dos seus livros, que sempre de viagens falam. Fala das suas paixões, e das suas paixonetas, fala dos seus amigos, das regiões que visitou e que talvez não visitará mais. Fala de pormenores de salas vazias, onde jantou sozinho, fala de mamutes enterrados na neve, de cacos arqueológicos que se colam, deixando ao arqueólogo apenas o seu interior remendado e vazio. Sim, fala da solidão e dos seus mortos. Do Sudão, do deserto, de Sarajevo, da guerra, de Xangai, da multidão, do extremo árctico que une a ex-união soviética ao resto do planeta.

Pergunta:
«Porque é que o tempo tem de apagar emoções tão violentas (mas não a sombra formada pela sua recordação)?» pp. 148

Porém, Olivier Rolin nunca fala com melancolia. Ele sabe como cruzar Júlio Verne, e as suas fúrias narrativas e fantasiosas, com George Perec, e a sua certeza geográfica no pormenor ínfimo de um espaço. Está lá «Suite no Hotel Crystal» (2014), assim como «Porto Sudão» (1994), «Tigre de Papel» (2002), «Baku, últimos dias» (2010), «O Meteorologista» (2014), «Sibéria» (2011), «A Invenção do Mundo» (1993) ou «Veracruz» (2017).

(Lembrei-me ainda de Rui Cardoso Martins, no modo jornalístico de olhar a verdade de uma guerra cruzado com a fantasia ficcionada de uma história que nos puxa para diante.)

Por fim, esclarece-nos:
«A vida não é uma linha, uma trajectória, é uma árvore infinitamente ramificada e frondosa, uma cabeleira imensa. Essas outras vidas forjaram aos poucos a tua, e, nesses destinos que já não conheces, no Peru, no Sudão, na Rússia, em todos os lados por onde passaste, uma parte ínfima de ti continua a viver – ou a morrer – sem ti. É disso, afinal, que queres tentar dar uma ideia – acaba finalmente de ser claro para ti.)» pp. 205

jef, dezembro 2019

Sobre a inauguração da exposição «Movimentos que Oscilam entre Formas Regulares» de Paulo Romão Brás. Galeria Lilliput. Bar Flor do Tejo. Cais de Vila Franca de Xira. 8 de Dezembro 2019 a 12 de Janeiro de 2020














Ilustrando o abstracto.

Na arte existe a superfície e o resto. Como nos perfis geológicos quando a Terra esconde o que tem dentro da crosta. Paulo Romão Brás procura com exactidão esse ponto de contacto entre o visível e o invisível, entre o que é presente e estamos agora a olhar e o que vai sendo transformado, geologicamente, pela memória.

Max Ernst (1891-1976), nascido na Alemanha, mobilizado na primeira guerra mundial, artista “degenerado” e proscrito pelos nazis, não era alemão, nem depois americano, parisiense. Nem cubista, surrealista, expressionista. Viu-se obrigado na década de 1920 a rasgar as páginas de catálogos ilustrados sobrepondo-lhes as imagens para descobrir os interstícios do seu passado.

Como Max Ernst, que recorria à grafite para riscar sobre o papel revelando a textura gráfica da superfície “invisível” da madeira (frottage), Paulo Romão Brás dá uso à arte labiríntica de agente secreto e falsificador de ídolos, e coloca à nossa frente uma cortina de cabos que suspendem fios de caricas metálicas. Para entrar no espaço ténue entre o passado e o presente, devemos afastar a cortina e entrar numa taberna do Alentejo sideral. Assim, o espaço cronológico fica apartado entre essa memória rural e um falso futuro urbano.

Dois trabalhos (100 x 70cm) revelam-se face a face. Ou, repito, escondem-se face a face. Porque são rostos de um passado a preto e branco que tentam emergir em plano primeiro enquanto o recorte e colagem de «papéis de catálogo» gritam, coloridos, papelinhos de carnaval anacrónico, que ainda não é tempo de revelar as identidades. Apenas o brilho do artifício.

Por isso, Paulo Romão Brás escreve: Movimentos que Oscilam entre Formas Regulares. À nossa frente apresenta-se, peremptória, uma pequena escultura em contraponto conclusivo, alegando que é com ela que o nosso olhar se inicia. Pelo movimento das figuras que se expõem entre as fissuras de uma memória assustada pelo presente que não sabe o que vai ser. «Nightmare before Christmas» mas no abstracto. Com ela, a nossa conclusão principia e o ‘catálogo’ de Paulo Romão Brás começa a ser rasgado.

«Movimentos que Oscilam entre Formas Regulares»
Galeria Lilliput. Bar Flor do Tejo. Cais de Vila Franca de Xira

João Eduardo Ferreira
Dezembro 2019

Sobre o filme «Sibyl» de Justine Triet, 2019
















Devia ser estabelecida uma penalização grave para quem invocar em vão o nome da ilha de Stromboli (e a memória cinematográfica de Roberto Rossellini e Ingrid Bergman, 1950)!
Deste filme, resta a imagem aérea da ilha vulcânica, negra e vítrea. E a bela e extraordinária actriz que é Adèle Exarchopoulos!!

A história é difícil de ser contada, pois de Sibila não vem qualquer oráculo!

Sybil (Virginie Efira) é uma psicanalista pré-reformada que apenas deseja escrever. Mas ainda recebe a jovem actriz Margot Vasilis (Adèle Exarchopoulos) que irá em breve para Stromboli participar num filme. Desesperada, pois ficou grávida do actor principal, que, por acaso, é namorado da realizadora. Sybil gosta da história, esquece a ética e grava as sessões que a vão inspirando no futuro livro. Tem ainda uma irmã, dois filhos, uma mãe que morrerá, um marido e um ex-amante. É alcoólica e acaba a voar para Stromboli a pedido da paciente e, pelo meio das filmagens que acaba por ser ela própria a dirigir, envolve-se com o actor principal que, como referido atrás, é namorado da realizadora e amante da actriz principal… No final, o filme é apresentado em antestreia e o livro fica escrito. Ninguém a processa por ser um real plágio!

Em 1858, a Condessa de Ségur escreve «Os Desastres de Sofia».
Em 2019, Justine Triet filma «Os Desastres de Sibyl».

Valha-nos 

jef, dezembro 2019

«Sibyl» de Justine Triet. Com Virginie Efira, Adèle Exarchopoulos, Gaspard Ulliel, Sandra Hüller, Niels Schneider. França, 2019, Cores, 100 min.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Sobre o filme «Comportem-se como Adultos» de Costa-Gavras, 2019
















De Costa-Gavras lembramos os filmes que estreavam logo a seguir ao 25 de Abril: «Z - A Orgia do Poder» (1963) ou «Estado de Sítio» (1972), esse empenho político cinematográfico do realizador grego-francês.
Muitos anos depois, ele leva ao festival de Veneza esta espécie de tragi-comédia sobre os anos de brasa pelos quais a Troika, a Europa e o FMI, fez passar a Grécia. Depois Portugal e Espanha.
Da vitória do Syriza, comandado por Alexis Tsipras (Alexandros Bourdoumis), à luta diária contra a liderança alemã do eurogrupo dirigida pelo ministro das finanças grego Yanis Varoufakis (Christos Loulis).
Apesar de não ser um bom filme, é o filme possível sobre um assunto ultra-dramático, densamente obscuro, burocrático, intrincado.
É muito bom recordar os piores anos que os povos pobres sofreram às mãos de quem não queria gerir a economia social mas pretendia reaver em golpes financeiros o dinheiro que o lucro exigido pela banca mundial.
Também é muito bom relembrar a força diária do povo grego pela soberania democrática, pela liberdade e autonomia económica.
Felizmente que os gregos podem lembrar as figuras, a modernidade, o cariz e a frontalidade dos homens sem gravata como Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, enquanto os portugueses, infelizmente, são obrigados a recordar a subserviência ortodoxa e engravatada de Passos Coelho, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque.

jef, novembro 2019

«Comportem-se como Adultos» (Adults in the Room) de Costa-Gavras. Christos Loulis, Alexandros Bourdoumis, Ulrich Tukur. Argumento baseado no livro «Adults in the Room: My Battle with Europe's Deep Establishment» de Yanis Varoufakis. Música: Alexandre Desplat. Grécia / França, 2019, Cores, 124 min.

domingo, 1 de dezembro de 2019

Pedro Castro Henriques! As palavras e as pessoas.






Agora que estou a chegar ao 600º texto colocado neste blogue, tenho de dar lugar a alguém que comprova a minha teoria ‘La Palice’ de que ‘o melhor das palavras, escritas ou não, é mesmo as pessoas’ e, de entre todas, as melhores são os amigos que se tornam cúmplices e justificam, pescadinha de rabo na boca, os próprios textos que escrevemos.

Pedro Toda a Gente, acrítico literário, alter ego do grande Pedro Castro Henriques, no dia 23 de Novembro, na Biblioteca Camões, por ocasião da apresentação do primeiro livro editado pel’A Morte do Artista’, «O Ciclo Curvo das Noites» de Paulo Romão Brás & João Eduardo Ferreira, levanta-se e diz, resumino melhor que ninguém esta tarefa de ilustrar e escrever qualquer coisa que tem a importância que cada momento lhe dá ou lhe retira.

Serve ainda o mesmo momento, antes de passar a palavra ao acrítico literário, Pedro Toda a Gente (PTG), para afirmar que gostamos muito de ti, PCH (Pedro Castro Henriques).

jef, dezembro 2019

a ler vamos:

«Agradeço aos autores a confiança depositada num anónimo leitor do pictórico e do literário colocando-me na posição de uma amiga do João Eduardo Ferreira, mulher de vários predicados que, anos atrás, aquando do lançamento de um livro me sussurrava ‘o João escreve tão bem… mas eu não percebo nada do que ele diz!’ Opiniões. Nem o autor se incomoda com o leitor, nem o leitor se incomoda com o autor. Livro comprado, cada qual faz dele o que melhor lhe aprouver.

«O Sr. Toda a Gente olha desconfiado para o negro da capa, tem dificuldade em ler o título e pensa desde logo na morte do artista. O Sr. Toda a Gente vê quando vê e lê quando lê o que significa que, feitas as contas, vê pouco e lê pouco mas lá se o faz bem ou mal, não sei. O Sr. Toda a Gente lida com as coisas simples da vida que por serem simples até se reduzem a siglas: FMI de Fundo Monetário Internacional, ATN de Autoridade Tributária Nacional, PSP de Polícia de Segurança Pública, SNS de Serviço Nacional de Saúde e mais umas quantas. Para o Sr. Toda a Gente as coisas simples da vida dificilmente rimam com ilustrações ou escritas. O Sr. Toda a Gente até admite que ilustração e escrita rimem com as coisas simples da vida mas isso, pensa ele, é coisa para iluminados. Mas o Sr. Toda a Gente, por razões que a razão desconhece como diria o outro, adquiriu O Ciclo Curvo das Noites um pouco influenciado pela filha, a Verinha, que deu para ir para letras e lhe azucrina o espírito com intelectualices. Adiante. Aberto o livro, o Sr. Toda a Gente raciocina, organiza-se para avançar ou para desistir de vez.

«E eis o Sr. Toda a Gente confrontado com Paulo Romão Brás
São dezasseis páginas ou meias horas que somam as oito horinhas que a OMS (Organização Mundial de Saúde) e diversas autoridades exigem de dormida ao Sr. Toda a Gente. Essa dezasseis páginas resumem o próprio ciclo turvo das noites do Sr. Toda a Gente a oscilar entre breves períodos de sono profundo e outros tantos repentes em que o quotidiano se mete onde não é chamado. Ora Paulo Romão Brás (ainda não é PRB para o Sr. Toda a Gente, portanto não faz parte das coisas simples da vida), faz-nos entrar redondadamente na cama na p.1, que é como o Sr. Toda a Gente entra na cama, tirando-nos da mesma, quadradamente, na p.16, que é como o Sr. Toda a Gente sai da cama. ‘O gajo viu bem a coisa, diz para consigo próprio o Sr. Toda a Gente, e até nas cores…’ Há uns negros, o 4975C do Pantone (o Sr. Toda a Gente trabalha na Fernandes – sector ‘desenho’), à mistura com muitos azuis, a oscilarem no Pantone entre o 290C e o 2736 C. O branco não incomoda o Sr. Toda a Gente que o tem por ausência de côr. ‘À noite é assim, conclui o Sr. Toda Gente, o azul da serenidade e o negro do medo’ como ouviu há dias na TV. Paulo Romão Brás não escreve, ilustra o que para o Sr. Toda a Gente explica o porquê do mesmo não ter direito a paginação numerada. Se ‘uma imagem vale mil palavras está-se mesmo a ver o tamanho que o livro iria ter!’ E está a parte de ilustração despachada!

«O Sr. Toda a Gente detém-se agora em João Eduardo Ferreira.
«O Sr Toda a Gente, como português de lei (recordo, trabalha na Fernandes) diz-se vítima do quotidiano, não sabendo como o enfrentar nem como convencer os demais para o que quer que seja que ponha em causa os seus hábitos quotidianos. O Sr. Toda a Gente anda enervado. Perturbam-no as histórias de clima com que agora o massacram, a despensa, a despensa ainda lhe mata a fome mas…, a fechadura lá de casa, mais apostada em abrir do que fechar ou vice-versa, quando abre a boca por via de regra sai asneira, não sabe o que fazer dos brinquedos (as bonecas com que a Verinha brincava e que agora, desde que se deu às letras…) nem tem opinião segura sobre as aulas, sonha não fazer nenhum e quanto ao aturar da vizinhança nem se fala. Na leitura, coisa que pouco pratica, o Sr. Toda a Gente procura respostas. Em O Ciclo Curvo das Noites inclinou-se a princípio para A agenda (p.54), ‘deixa ver se é como a minha’. Mas não, a agenda do livro em nada se aparentava à sua – sobra da Fernandes – não percebeu mesmo a passagem em que se diz ‘porque escreves nesta agenda de merda?’ Mas o Sr. Toda Gente (tinha que rentabilizar o livro) descobriu que João Eduardo Ferreira tem remédio para muito daquilo que o apoquenta e ao Sr. Toda a Gente, remédio sem título, é certo, e que nem sequer consta do Registo Nacional de Medicamentos. A bula (caso fosse pontifícia vendia-se que nem pãezinhos quentes) publicada na p.30 não passou desapercebida ao Sr. Toda a Gente que a elegeu como seu poema favorito. (Definir estratégias / Propor consensos / Estabelecer prioridades / Manter a calma. Avaliar a pressão atmosférica / Abastecer a despensa / Mudar as fechaduras / Calar a boca. Vestir as bonecas / Faltar às aulas / Arregaçar as mangas / e Matar o vizinho.). ‘Mais claro não se pode ser’, concluiu o Sr. Toda a Gente ciente de ter programa em que pensar. ‘Enfim, remédios… acrescentou o Sr. Toda a gente… a seguir assim este sacana vai longe na ´política!’ E não é que o Sr. Toda a Gente concluiu ter compreendido a mensagem de João Eduardo Ferreira e pondo-a em prática a partir da última estrofe! Matou o vizinho. Qual o problema? Nem o autor se incomoda com o leitor, nem o leitor se incomoda com o autor. Livro comprado, cada qual faz dele o que melhor lhe aprouver.

Pedro Toda a Gente, acrítico literário


Os Rollana Beat foram novamente vistos por aí. Revistos por Tomás Duro.



















Afinal, eles voltaram. André Ruivo (guitarra e voz), André Sentieiro (contrabaixo), Fernando Ascenção (sopros) e Manuel Correia da Silva (scratch e electrónica).
Os Rollana Beat (1998–2014) são mesmo uma longa e bela história. 
Aparentemente interminável!

Estamos em 2019. Na Primavera reapareceram no IndieLisboa – cinema São Jorge, a coberto de imagens-vídeo. Precisando, embuçados em 13 vídeos surgidos da criatividade plástica de artistas vindos de diferentes áreas visuais (*). Fizeram eles de capa a Mandrake ou de Aston Martin do agente de Sua Majestade Brexit. Camuflaram os Rollana Beat! Eram 13 filmes musicais vindos sobretudo de dois grandes álbuns: «Big Sneeze» (MetroDiscos / União Lisboa, 2000) e «Murdering the Classics» (Net, 2001/2014).

E quando menos se espera, o 14º filme aparece! Tomás Duro repesca, de linha, anzol e isco sombrio, o tema «Apparently Singing the Wrong Words» e filma-o na sua «Cassete de Monsanto». Uma viagem nocturna em busca da «opening night» para uma VHS estratégica (mas perdida) que apenas poderá ser vista numa sala obscura, indefinida, cujos contornos electrizam o condutor, aquele estafeta que a devia entregar mas acaba por ser o próprio receptor. Ondas visuais não sintonizadas cruzam Monsanto, a viatura está prestes a chegar. A campainha da porta será tocada pela palavra errada. Aparentemente. Por favor, não matem o mensageiro!

Um belo exercício cinematográfico. Dos 14, talvez o mais próximo do «film noir»!
Aguardemos os próximos episódios!

jef, dezembro 2019

(*) reprise: 1. Inês Oliveira «Jack Plays Trombone at the Underground Station» (3’19); 2. Gonçalo Duarte «He Ain’t Got Rhythm!» (4’38); 3. Dedo Mau «Garbage Grows for our Distractions» (4’21) 4. Vasco Reis Ruivo «Ella» (1’46); 5. Xavier Almeida «Revolutionary Dogs» (3’52); 6. Renata Sancho «Big Sneeze» (2’34); 7. Aya Koretzki «Murdering Raymond Scott» (3’40); 8. Ostraliana «Expire Date» (3’25); 9. Edgar Pêra «Just What the Doctor Ordered» (5’30); 10. Bruno Borges «Garland» (3’46); 11. Luís Lázaro «Apparently Singing the Wrong Words» (6’10); 12. Isabel Aboim Inglez «Western Spaghetti» (3’32). 13. Leonor Noivo «Dopping» (3’57).

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Sobre o filme «Technoboss» de João Nicolau, 2019













Este é talvez o filme português mais extraordinário (e inesperado) estreado nos últimos anos. Digo «extraordinário» por sair de todas as regras do cinema e do teatro. Extra-ordinário.

Não há ninguém que não saia do cinema que não tenha a sensação de que esteve fora do enquadramento.

Porém, é um filme que resplandece em ternura. Um filme cheio de carinho, feito de amigos para amigos, nós, espectadores, incluídos. É a vida de um quase reformado Luís Rovisco (o incrível Miguel Lobo Antunes!) que trabalha numa empresa de quase sucesso, especializada em câmaras de vigilância e sistemas de segurança, com trabalho por todo o país, principalmente no Algarve, onde o romance acontecerá.

Ele é divorciado, o carro avaria, o gatinho morre, tem um neto que deve sempre ajudar os pais a pôr a mesa, vive algures, mas é quase infeliz pois ainda acredita na sua quase felicidade e no valor do seu trabalhado.

É uma comédia filmada sempre com um certo grão na imagem e o guarda-roupa, sempre triste. As paredes com infiltrações. A natureza tem palmeiras enfezadas. Ele trabalha com o Teixeira (o extraordinário Américo Silva!). Ele irá encontrar uma antiga paixão, a Lucinda (a maravilhosa Luísa Cruz!). Alguém pode comparar este filme com algumas das comédias de Cottinelli-Telmo ou António Lopes Ribeiro, mas é errado. Nestes, o teatro é assumido como palco real. Em «Technoboss», a comédia é feita por planos cinematográficos sincopados, senão desconexos, onde o estúdio é visível e os rolos com paisagens pintadas vão passando enquanto Luís Rovisco vai fingindo que conduz e vai cantando sempre. Como quem canta no banho. Também o diálogo pode surgir em voz-off, como se fosse pensamento, enquanto as personagens dialogantes apenas se olham.

Luís Rovisco canta com a banda do foyer do hotel. É acordado, em pesadelo, com uma banda de heavy-metal que lhe canta uma canção de embalar. O coro grego fala pela voz de um coro masculino de cante alentejano na recepção do hotel….

Afinal, vai tudo acabar bem numa cena cantada entre lençóis e cumplicidade carinhosa. Mais uma vez, a cancela do parque de estacionamento do hotel ficará a pulsar, avariada, ininterrupta, com o vigor do amor.

jef, novembro 2019

«Technoboss» de João Nicolau. Com Miguel Lobo Antunes, Luísa Cruz, Américo Silva, Sandra Faleiro, Duarte Guimarães, José Raposo. Música: Luís José Martins, Pedro Silva Martins, Norberto Lobo. Portugal, 2019, Cores, 112 min.