quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Sobre o filme «Em Trânsito» de Christian Petzold, 2018





















O filme termina com «The Road to Nowehere» dos Talking Heads (‘Little Creatures’, 1985). A canção a encher todo o ecrã negro onde passam as palavras brancas do genérico final. Um choque anacrónico que nos obriga a ouvir as palavras cantadas como alegoria premonitória, de ontem, de hoje, talvez de sempre…
É isso que Christian Petzold deseja. Imagem fora do tempo de uma Europa actual, de refugiados e perseguições, sob o espectro do nazismo e sem telemóveis ou computadores. A história vem de um romance «Transit» de 1940, onde Anna Seghers narra as horríveis peripécias dos judeus em fuga que enchiam as cidades portuárias tentando embarcar a todo o custo para o Novo Mundo.
Georg (Franz Rogowski) é escorraçado até Marselha através de uma França progressivamente neutralizada pela invasão do estupor e pelas deportações. As identidades são trocadas, os afectos encontrados, as viagens desesperadas. Marie (Paula Beer), Melissa (Maryam Zaree), a mulher dos cães (Barbara Auer) são o contraponto feminino, o longo abraço que se anseia na solidão do exílio, um abraço que se pretende quase mais fraterno do que amoroso, de uma população exausta e perseguida, em demanda de papéis, passagens, passaportes, partidas.
Nada melhor do que colocar o espectador, nos dias de hoje, a sentir a angústia dos dias de ontem e lembrando quão próximos estão, novamente, os recentes migrantes dos velhos migrantes europeus. Nós somos eles! Um truque genial dentro de um filme cuja ternura, amizade e amor supremo suplanta a dor exausta que todo o deportado sentiu, sente e, infelizmente, sentirá!
Um filme que todos deviam rever, por ser necessário mas, acima de tudo, por ser belo.

jef, janeiro 2019
                                                                      
«Em Trânsito» (Transit) de Christian Petzold. Com Franz Rogowski, Paula Beer, Godehard Giese, Barbara Auer, Maryam Zaree, Matthias Brandt, Sebastian Hülk, Trystan Pütter, Emilie Preissac. Música: Stefan Will. Fotografia: Hans Fromm. Baseado no romance «Transit» de Anna Seghers (1944). França / Alemanha, 2018, Cores, 101 min.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Sobre o filme «Nunca Deixes de Olhar» de Florian Henckel von Donnersmarck, 2018















Não seriam precisas três horas para contar uma história (em jeito Reader’s Digest) enraizada no mais horrível tempo de uma Europa a apodrecer com o plano nazi de esterilização e erradicação da população ‘menor’. Aqui temos de tudo, desde a arte degenerada, às câmaras de gás (já estaríamos então nos anos da ‘solução final’?), ao realismo socialista, à fuga (extraordinariamente rápida e eficaz) para o Ocidente, aos maneirinhos de melodrama novelesco da televisão velha (pois é na televisão de agora que se vê o melhor cinema), até que o jovem e dotado pintor Kurt Barnert (Tom Schilling) chega ao seio da avant-garde Academia de Arte em Düsseldorf do professor Antonius van Verten / Stefan Bauer (Oliver Masucci) e vence estrondosamente com o seu pre-hiper-realismo-fotográfico ao lado da sua paixão, a bela Elizabeth (Paula Beer), e do seu filhinho. Tudo ao som da música de Max Richter que nos coloca entre um Phillip Glass ‘envergonhado’ e um Vangelis ‘new age’. Vá lá ouvimos de raspão Klaus Nomi e Silvie Vartan…

Posso não ter gostado do filme mas a memória destes tempos vale sempre a recapitulação, repetição. Jamais o esquecimento.

jef, janeiro 2019
                                                                      
«Nunca Deixes de Olhar» (Werk ohne Autor) de Florian Henckel von Donnersmarck. Com Tom Schilling, Sebastian Koch, Paula Beer, Saskia Rosendahl e Oliver Masucci, Hanno Koffler, Jonas Dassler, David Dassler, David Schüffer, Ina Weisse, Jörg Schüttaf. Música: Max Richter. Itália / Alemanha, 2018, Cores, 188 min.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Sobre o filme «Scarface, O Homem da Cicatriz» de Howard Hawks, 1932





















Sem dúvida, aqui está o génio de Howard Hawks.
Não existe filme onde se matam tantos em tão pouco tempo, onde as mulheres se vestem tão bem, onde a elegância dos homens está sublinhada no modo como desviam a aba do chapéu, como riscam um fósforo, como atiram a moeda ao ar com displicência e provocação, como pegam num cigarro ou numa metralhadora, dessas, de estilo e tambor circular.
Sobretudo a arte do realizador está no toque inigualável feito de humor desbragado e sobriedade estética. Nessa longa cena inicial que termina na primeira morte do filme, a de Louie Costillo (Harry J. Vejar), pelo revólver de uma sombra fugaz e pelo mistério de um assobio – o já sintomático assobio de Tony Camonte ‘Scarface’, um Paul Muni assassino gabarola, sortudo, apaixonado e divertido.
Estamos na época da Lei Seca e Al Capone já cumpria pena por evasão fiscal e não pela morte de mais de 400 cidadãos. Estamos na época em que o expressionismo alemão filmava o olhar das mulheres em plano grande, com terror, sedução e longas pestanas. Estamos no centro de um enorme filme de Howard Hawks que faz do riscar do fósforo um acto de máxima provocação, quando é feito na estrela do xerife ou quando oferecido a Poppy (Karen Morley), futura amante, contra a chama do isqueiro do patrão e rival, Johnny Lovo (Osgood Perkins).
Filme inicial por transformar a maior comédia sangrenta, com pouco sangue e muitas sombras, numa tragédia quase grega com epílogo operático quando os dois irmãos Tony e Cesca (Ann Dvorak) se declaram um ao outro, provando o amor pelo manejar das armas.
Tudo neste filme é estudado para nos transmitir o efeito teatral, artificial, para ampliar o deslumbramento e conhecermos a verdade que está contida na arte do verdadeiro cinema.

jef, janeiro 2019
                                                       
«Scarface, O Homem da Cicatriz» (Scarface, Shame of A Nation) de Howard Hawks. Com Paul Muni, Ann Dvorak, Karen Morley, Osgood Perkins, Boris Karloff, C. Henry Gordon, George Raft, Purnell Pratt, Vince Barnett, Inez Palange, Harry J. Vejar, Edwin Maxwell, Tully Marshall, Henry Armetta, Maurice Black, Bert Starkey, Paul Fix, Hank Mann, Charles Sullivan, Harry Tenbrook, John Lee Mahin, Howard Hawks, Dennis O’Keefe. Música: Adolph Tandler, Gustav Arnhelim. Fotografia: Lee Garmes, L. William O’Connell. 1932, EUA, P/B, 86 min.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Sobre o filme «The House That Jack Built - A Casa de Jack» de Lars von Trier, 2018










A violência de Lars von Trier está, a cada filme, mais ineficaz. O seu cinema mais vazio.
«The House That Jack Built - A Casa de Jack» é um filme cansativo e inútil, maniqueísta (do filósofo cristão do século III, Maniqueu – fui à Wikipédia) e vaidoso. Talvez fútil e com um forte laivo de foleirice, no final.

Colocar o próprio assassino Jack (Matt Dillon) a filosofar o tempo inteiro com Verge (Virgílio??) (Bruno Ganz) sobre o distúrbio obsessivo-compulsivo e o efémero da arte que apodrece, parece-me demais. Usar cenas dos seus filmes anteriores, colando-os a imagens reais do(s) holocausto(s), imitar Bob Dylan a lançar cartõezinhos com legendas para o chão, invocar Goethe ou William Blake para, por fim, construir uma bela casinha com os cadáveres congelados e dentro dela se perder até ao mais fundo dos infernos, com um toque de cenário maçónico à Harry Potter, torna-se insuportável.

Nem Matt Dillon nem Bruno Ganz conseguem salvá-lo. Muito menos as extraordinárias actrizes que dão corpo intenso aos crimes sádicos e à tortura sanguinária, Uma Thurman, Riley Keough, Siobhan Fallon Hogan, Sofie Gråbøl. Tudo se esvai na espuma da mais tola presunção moralista.

E para ver filmes violentos que se tome «Shining» (Stanley Kubrik, 1980), «Salò ou os 120 dias de Sodoma» (Pier Paolo Pasolini, 1975), «Vem e Vê» (Elem Klimov, 1985). Todos eles actos estéticos irrepreensíveis.
(Ainda não percebi por que continuo a ir ver os filmes de Lars von Trier!)

jef, janeiro 2019
                                                                      
«The House That Jack Built - A Casa de Jack» de Lars von Trier. Com Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman, Riley Keough, Jeremy Davies, Jack McKenzie, Siobhan Fallon Hogan, Sofie Gråbøl. Música: Víctor Reyes. Fotografia: Manuel Alberto Claro. EUA, 2018, Cores, 155 min.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Sobre o filme «Terra Franca» de Leonor Teles, 2018














Não será pelo filme apresentar os actores em nome próprio, o pescador Albertino Lobo e a sua família, dentro da sua casa à beira do seu rio Tejo e à beira da sua cidade, Vila Franca de Xira, que o filme se torna um documentário. Existe uma transformação estética e uma transfiguração ficcional no filme que o desloca da realidade, fornecendo um facto diverso através de cenas aparentemente retiradas directamente do quotidiano. Afinal, no dia-a-dia nada se passa… Este nó górdio (ou engodo) captado pelo espectador, agora aprisionado, chama-se acto artístico.

Leonor Teles filma o snack-bar Rosinha; o bairro dos pescadores e a preocupação pela não renovação da licença de pesca ou pela apreensão das artes de pesca ou pela captura ilegal de meixão; os nervos pela brevidade de um casamento; as vantagens de um novo aspirador. No centro, o olhar matriacal, seguro e terno, apaziguador ou suavemente castigador, de Dália Lobo. Tudo é filmado sem sombra de catequização política em torno das condições de vida ou do trabalho. Mas elas estão lá («Eles não passaram fome, foi a fome que passou por eles.», repete Albertino).

A realizadora deseja somente filmar um anti-herói, estátua realista erguida no centro do seu próprio barco, vista de baixo para cima, mãos fortes e determinadas, ser solitário apesar de tutelar no seio da família, do bairro, da cidade. Albertino e o seu longo tempo e o seu eterno espaço, vindo do passado para o futuro, ao ritmo das estações do ano e do levantar das nassas. O rio Tejo como habitat e habitáculo.

jef, janeiro 2019
                                                           
«Terra Franca» de Leonor Teles. Com Albertino Lobo e a sua família. Portugal, 2018, Cores, 80 min.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Sobre o filme «Cães Danados» de Quentin Tarantino, 1992











Um dos filmes onde os litros de sangue são transformados em pura ciência intuitiva do drama e da comédia. Sem aquele sangue nada fazia ali sentido. Contudo e com tanto sangue, este filme é uma lição de narrativa e de movimento em palco. Pode começar teoricamente sobre a intrínseca substância de «Like a Virgin» de Madonna mas termina com a subtil fuga de Mr. Pink (Steve Buscemi) – sim, esse a quem saiu por azar tal estigma como nome de guerra –, de mala aviada com o substancial e sangrento fruto do roubo.

Os restantes estão derretidos numa poça de líquido vermelho. Todos foram enganados, traídos, ou apanharam uma bala que não foi de raspão. Sofreram a desilusão dos infiltrados e da denúncia, a resistência vã da lealdade ou a fúria sádica do prazer recalcado.

Uma verdadeira lição de composição cénica e do uso da analepse cinematográfica. Aqui não há medo do horror ou do humor. Apenas cinema, um resumo entre Shakespeare ou Kurozawa, John Ford ou Nicholas Ray.

Um dos melhores filmes encarnados do mundo.  

jef, janeiro 2019
                                                                      
«Cães Danados» (Reservoir Dogs) de Quentin Tarantino. Com Michael Madsen (Mr. Blonde), Edward Bunker (Mr. Blue), Quentin Tarantino (Mr. Brown), Tim Roth (Mr. Orange), Steve Buscemi (Mr. Pink), Harvey Keitel (Mr. White), Lawrence Tierney (Joe Cabot), Chris Penn (Eddie Cabot), Kirk Baltz, Randy Brooks, Steven Wright. EUA, 1992, Cores, 99 min.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Sobre o filme «Dogman» de Matteo Garrone, 2018
















Um ventoso e húmido descampado com um pequeno parque infantil no centro, rodeado de um casario, triste e térreo, que poderia sair de um western, «Quem Matou Liberty Valance» (John Ford, 1962). Estamos perto de uma praia romana semelhante às imagens que surgem em «Querido Diário» (Nanni Moretti, 1993) quando nos aproximamos do local onde Pier Paolo Pasolini foi assassinado. São estas imagens exteriores, palco de uma comédia sangrenta que tende para uma tragédia ‘verdiana’ onde a bondade extrema, quase canina, se vai confundindo numa sucessão violenta de mal-entendidos e traição pura.

Os cenários interiores são belos e degradados mas nem tempo temos de lhe dar a atenção devida, como no claustrofóbico «Cães Danados» (Quentin Tarantino, 1992). O hotel para cães do amoroso Marcello (Marcello Fonte) vive paredes meias com uma casa de compra e venda de ouro e com um amigo violento e néscio, viciado em cocaína, de nome Simone (Edoardo Pesce). Marcello deseja dar férias de sonho a sua filha mas o dinheiro não chega. Para isso, trafica droga. Marcello ama-a e ama os cães. Mas nem assim Marcello deixará de ser atraiçoado pela lealdade e pela vingança.

A luz, a cor, os planos, os retratos, são quase renascentistas.

Todo o filme segue o corpo e a expressão dramáticas do actor Marcello Fonte. Também Marcello Fonte é todo o filme e recebe a palma de ouro em Cannes. Os cães recebem o DogPalm, e merecem. Sem a sua presença, sublinhando, por comparação-contradição, esse benévolo e crente princípio da humanidade, a vocação de anjo caído de Marcello não faria sentido.

jef, janeiro 2019
                                                               
«Dogman» de Matteo Garrone. Com Marcello Fonte, Edoardo Pesce, Nunzia Schiano, Alida Baldari Calabria, Adamo Dionisi, Aniello Arena, Francesco Acquaroli, Gianluca Gobbi, Giancarlo Porcacchina, Laura Pizzirani. França / Itália, 2018, Cores, 103 min.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Sobre o filme «Ou Nadas ou Afundas» Gilles Lellouche, 2018
















Esta comédia francesa é um daqueles filmes que os próprios franceses adoram. Ali se revêem, lambendo ligeiramente as feridas, rindo-se dos seus traumas sem beliscar a vocação de gostarem muito de ser franceses.
Um grupo de oito homens, cada qual a braços com a própria crise, inscrevem-se numa classe de natação sincronizada masculina liderada por duas instrutoras, cada qual mergulhada na própria crise. Reúnem-se semanalmente por terapia ocupacional ou por qualquer outra. Aos poucos a motivação chega e inscrevem-se numa competição internacional organizada na Noruega.
É uma comédia benévola e simples, politicamente correcta, despretensiosa, de domingo à tarde. Poder-se-ia dizer para toda a família, caso não fumassem tantos charros, bebessem tanto álcool, tomassem tantos barbitúricos (como antes se chamavam a essas pílulas).
Está lá Mathieu Amalric, enfant pas terrible de uma nova e inteligente tendência caleidoscópica do cinema francês.
Ainda se pode ver Esther Williams em «A Rainha do Mar» (Mervyn LeRoy, 1952) e assistir a coreografias aquáticas para «Physical» de Olivia Newton-John (1981) e «Easy to Love» de Phil Collins (1984). Logo, o filme está ganho!

jef, janeiro 2019
                                                                      
«Ou Nadas ou Afundas» (Le Grand Bain) de Gilles Lellouche. Com Mathieu Amalric, Guillaume Canet, Benoît Poelvoorde, Jean-Hugues Anglade, Marina Foïs, Alban Ivanov, Phillipe Katerine, Leïla Bekhti, Virginie Efira, Félix Moati, Jonathan Zaccaï. França, 2018, Cores, 122 min.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Sobre o filme «O Cavalheiro e a Arma» de David Lowery, 2018




















Ora aqui está um filme que é um achado. À antiga, 16 mm, como quando a América era grande e fazia boas fitas de polícias e ladrões. Não tínhamos de aturar a gravata vermelha  do Trump e o cinema americano tinha o instinto da diversão e não se via obrigado a cumprir um dos tais «assuntos fracturantes».

O realizador David Lowery faz o pleno. Um filme terno e delicado, sobre a realidade do ladrão de luva branca Forrest Tucker (Robert Redford) que fugiu 17 vezes da prisão e granjeou um crédito público de simpatia, até da parte do detective John Hunt (Casey Affleck) que ajudou na sua captura, também este um dolente e sentimental polícia. Robert Redford contracena com a doce Jewel (a maravilhosa Sissy Spacek!), e com dois outros cordiais gatunos, interpretados por Danny Glover e Tom Waits. Os diálogos são certeiros mas despretensiosos, os cenários nem parecem cenários, a banda sonora óptima. As cenas são rápidas e eficazes para tudo se completar numa deliciosa hora e meia de filme série B.

Acima de tudo, um filme sobre a bondade, o futuro da idade e do afecto. 
Sabe muito bem ver filmes destes!

jef, janeiro 2019
                                                                     
«O Cavalheiro e a Arma» (The Old Man & the Gun) de David Lowery. Com Robert Redford, Sissy Spacek, Casey Affleck, Danny Glover, Tom Waits, John David Washington, Tika Sumpter, Gene Jones, Elisabeth Moss. Fotografia: Joe Anderson. Música: Daniel Hart. EUA, 2018, Cores, 93 min.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Sobre o filme «Poderosa Afrodite» de Woody Allen, 1995













A comédia mais terna e lúdica, mais desconexa, mais inteligente, de Woody Allen. Uma comédia sobre genes trocados e famílias reconciliadas, também sobre traições, adopções e tragédias gregas.

Lenny (Woody Allen) é jornalista num jornal desportivo de terceira categoria e vive com Amanda (Helena Bonham Carter), curadora artística e galerista em ascensão. Adoptam uma criança que traz uns genes de excepção que merecem ser investigados. A mãe biológica é Linda Ash (Mira Sorvino), actriz de filmes pornográficos, prostituta, mas com pretensão a ser cabeleireira… O resto é a imaginação superior de Woody Allen a colocar pelo meio Cassandra (Danielle Ferland), a pessimista, e Tirésias (Jack Warden), o cego vidente, e Jocasta (Olympia Dukakis) e o seu filho Édipo (Jeffrey Kurland) e F. Murray Abraham mandante de um coro grego que, por momentos, anda com alguma dificuldade de comunicação com Zeus!

«Poderosa Afrodite» faz-nos olhar o mundo do amor e do perdão, da desculpa, da dignidade e da bondade, enfim, do humor, como princípios primeiros da humanidade.

jef, janeiro 2019
                                                                     
«Poderosa Afrodite» (Mighty Aphrodite) de Woody Allen. Com Woody Allen, Mira Sorvino, Helena Bonham Carter, Michael Rapaport, F. Murray Abraham, Olympia Dukakis, Peter Weller, David Ogden Stiers, Claire Bloom, Pamela Blair, Jack Warden, Paul Giamatti, Jeffrey Kurland, Jimmy McQuaid, Danielle Ferland. EUA, 1995, Cores, 95 min.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Sobre o filme «O Amante Duplo» de François Ozon, 2017








Este filme, a meio caminho entre o erótico, o suspense e a decoração de interiores, centra-se na bela Marine Vacth a fazer de Chloé («Jovem e Bela», 2013) e no credível, e também muito bonito, Jérémie Renier (acólito dos irmãos Dardenne) a fazer dos psiquiatras Paul e Louis.


O filme começa com uma cena onde o cabelo de Chloé é enigmaticamente cortado, passando directamente para o espéculo da ginecologista e daí para o sofrido globo ocular da paciente que pede ajuda para uma consulta de psiquiatria, tentando ultrapassar uma dor abdominal permanente que talvez seja mais do foro psicológico. A dupla Chloé que deseja curar-se vai encontrar o médico Paul que, afinal, também é Louis, o irmão gémeo, com um passado duplo e misterioso. Este, Louis, tem um gato duplo do de Chloé que é, espantem-se!, um macho de três cores. Uma estranha trissomia no genoma zigótico, onde dois fetos gémeos se voltam logo a unir sendo o macho digamos “canibal” da fêmea, absorvendo-a e criando então a raridade felina. Raridade que sucede igualmente no género humano.

Nesse momento comecei a ficar um pouco confuso e a não entender se François Ozon mostrava gatos canibais, apartamentos de sonho com muitos espelhos e lençóis, se desejava fazer um filme de terror a sério, se um filme erótico a sério. Estava o dia 31 de Dezembro de 2018 a decorrer e a minha cabeça começou a divagar…

Para vidas (ou mortes) duplas só existe um filme, «Vertigo – A Mulher que Viveu Duas Vezes» de Alfred Hitchcock, 1958.

Para erotismo, belo, psicanalítico e de lógica onírica, basta-me «Belle de Jour» de Luis Buñuel, 1967.

Para escatologia estética e gemeológica, prefiro «Dead Ringers – Irmãos Inseparáveis» de David Cronenberg, 1988.

Para suspense, gatos assustados e seres estranhos a saltar de corpos puros prefiro sem dúvida «Alien – O 8º Passageiro» de Ridley Scott, 1979.

Para fantasia pura e intensa, medo e incompreensão deslumbrada, revejo «Eraser Head» de David Lynch, 1977.

Enfim, que venha um excelente 2019 para todos vós, que venham também mais filmes vistos nas salas de cinema!

jef, dezembro 2018
                                                                 
«O Amante Duplo» (L' Amant Double) de François Ozon. Com Marine Vacth, Jérémie Renier, Jacqueline Bisset. Sobre o livro «Lives of the Twins», de Joyce Carol Oates França, 2017, Cores, 107 min.