Afinal,
na Roménia, o 25 de Abril aconteceu no dia 20 de dezembro de 1989. Eis um facto
que serve de mote tenso ou conclusão alegre a todo o filme. Uma história
social, política e familiar entre a nostalgia, a opressão e a esperança. Nada
nos é explicado a priori e todas as diversas personagens centrais, ou núcleos
familiares, surgem em simultâneo, sequencialmente e sem aviso prévio.
Suspeitamos que todas estão relacionadas, porque é um filme romeno na esteira
de outros vindos de décadas atrás, onde a tragédia não deixa de conter algum
laivo de comicidade no interior: «12:08 A Este de Bucareste» (Corneliu
Porumboiu, 2006), «A Morte do Senhor Lazarescu» (Cristi Puiu, 2005). Logo de
início, enquanto a radio do carro toca uma canção, duas personagens falam em
surdina de uma suposta resistência clandestina. Também falam de um recente caso
de repressão violenta com vítimas em Timişoara. Uma estação pública de
televisão grava o programa de final de ano mas a vedeta feminina acaba de
desertar para o estrangeiro e vai ter de ser substituída sem grande espalhafato
mas com um grau de ansiedade cada vez maior. Uma criança escreve ao pai Natal e
pede como presente para o pai a morte do “Tio Nick”. Dois estudantes seguem de
carro clandestinamente, equipados e com dinheiro, para mergulharem na fronteira
do Danúbio. Um prédio será demolido mas a velha inquilina recusa-se a
abandonar o apartamento. Um censor teme que o telefone esteja sob escuta, e deve vigiar as toupeiras que o regime introduziu no meio universitário.
Toda
a história se encaminha para o dia certo, todos se vêem no fio da navalha. Nós acompanhamos o entrelaçar das histórias num minucioso trabalho de
argumento. Começamo-nos a interessar por todos os personagens, a entender os
seus dramas, a torcer por que tudo acabe rápido e os deixe em paz. Acabamos por
gostar de todos.
Chega
o dia da grande parada dos trabalhadores frente à varanda onde discursará o grande líder quando parece que tudo está à beira de sucumbir. Porém, nós continuamos a escutar
o longo cadenciar de tercinas do Bolero de Ravel como sinal final de esperança.
É
comovente a sequência final de cenas de arquivo onde a alegria popular se
expande e a nossa memória recorda emocionalmente uma das primeiras revoluções na
segunda metade do século XX – o 25 de Abril de 1974.
(Muita
atenção à aos decores, ao guarda-roupa, à banda sonora.)
jef,
maio 2025
«O Ano Novo Que Não Aconteceu» (Anul nou care n-a fost) de Bogdan Mureşanu. Com Adrian Vancica, Iulian Postelnicu, Emilia Dobrin, Nicoleta Hancu, Marian Adochitei, Virgil Aioanei, Afrodita Andone, Mircea Andreescu, Iulian Burciu, Florin Calbajos, Mihai Calin, Doru Catanescu, Sorin Cocis, Marius Damian, Elvira Deatcu, Ioana Flora, Ada Gales, Floriela Grapini, Manuela Harabor, Ilinca Harnut, Vlad Jipa, Mircea Lacatus. Argumento: Bogdan Mureşanu. Produção: Bogdan Mureşanu, Viorel Chesaru e Vanja Kovacevic. Fotografia: Boroka Biro e Tudor Platon. Guarda-roupa: Dana Anghel. Roménia, 2024, Cores, 103 min.
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