terça-feira, 13 de maio de 2025

Sobre o filme «O Ano Novo Que Não Aconteceu» de Bogdan Mureşanu, 2024



 




















Afinal, na Roménia, o 25 de Abril aconteceu no dia 20 de dezembro de 1989. Eis um facto que serve de mote tenso ou conclusão alegre a todo o filme. Uma história social, política e familiar entre a nostalgia, a opressão e a esperança. Nada nos é explicado a priori e todas as diversas personagens centrais, ou núcleos familiares, surgem em simultâneo, sequencialmente e sem aviso prévio. Suspeitamos que todas estão relacionadas, porque é um filme romeno na esteira de outros vindos de décadas atrás, onde a tragédia não deixa de conter algum laivo de comicidade no interior: «12:08 A Este de Bucareste» (Corneliu Porumboiu, 2006), «A Morte do Senhor Lazarescu» (Cristi Puiu, 2005). Logo de início, enquanto a radio do carro toca uma canção, duas personagens falam em surdina de uma suposta resistência clandestina. Também falam de um recente caso de repressão violenta com vítimas em Timişoara. Uma estação pública de televisão grava o programa de final de ano mas a vedeta feminina acaba de desertar para o estrangeiro e vai ter de ser substituída sem grande espalhafato mas com um grau de ansiedade cada vez maior. Uma criança escreve ao pai Natal e pede como presente para o pai a morte do “Tio Nick”. Dois estudantes seguem de carro clandestinamente, equipados e com dinheiro, para mergulharem na fronteira do Danúbio. Um prédio será demolido mas a velha inquilina recusa-se a abandonar o apartamento. Um censor teme que o telefone esteja sob escuta, e deve vigiar as toupeiras que o regime introduziu no meio universitário.

Toda a história se encaminha para o dia certo, todos se vêem no fio da navalha. Nós acompanhamos o entrelaçar das histórias num minucioso trabalho de argumento. Começamo-nos a interessar por todos os personagens, a entender os seus dramas, a torcer por que tudo acabe rápido e os deixe em paz. Acabamos por gostar de todos.

Chega o dia da grande parada dos trabalhadores frente à varanda onde discursará o grande líder quando parece que tudo está à beira de sucumbir. Porém, nós continuamos a escutar o longo cadenciar de tercinas do Bolero de Ravel como sinal final de esperança.

É comovente a sequência final de cenas de arquivo onde a alegria popular se expande e a nossa memória recorda emocionalmente uma das primeiras revoluções na segunda metade do século XX – o 25 de Abril de 1974.

(Muita atenção à aos decores, ao guarda-roupa, à banda sonora.)

 

jef, maio 2025

«O Ano Novo Que Não Aconteceu» (Anul nou care n-a fost) de Bogdan Mureşanu. Com Adrian Vancica, Iulian Postelnicu, Emilia Dobrin, Nicoleta Hancu, Marian Adochitei, Virgil Aioanei, Afrodita Andone, Mircea Andreescu, Iulian Burciu, Florin Calbajos, Mihai Calin, Doru Catanescu, Sorin Cocis, Marius Damian, Elvira Deatcu, Ioana Flora, Ada Gales, Floriela Grapini, Manuela Harabor, Ilinca Harnut, Vlad Jipa, Mircea Lacatus. Argumento: Bogdan Mureşanu. Produção: Bogdan Mureşanu, Viorel Chesaru e Vanja Kovacevic. Fotografia: Boroka Biro e Tudor Platon. Guarda-roupa: Dana Anghel. Roménia, 2024, Cores, 103 min.

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