quarta-feira, 28 de maio de 2025

Sobre a peça «Mamma Mia!», Campo Pequeno, 2025



 

















Confesso que sempre tive um enorme preconceito por teatros musicais famosos, apesar de gostar muito de filmes musicais, desde miúdo.

Também confesso que, por altura do Festival da Eurovisão da Canção de 1974, enquanto os Abba ganhavam com a canção “Waterloo”, a minha religião musical proibia tal inclinação infra-popular, extra-burguesa, retro-revolucionária. O meu cânon político musical seguia avidamente “Cão Raivoso” de Sérgio Godinho, “Era um redondo vocábulo” de José Afonso, “P'ró que der e vier” de Fausto Bordalo Dias ou “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” de José Mário Branco. Enfim, a revolução trazia-nos ideias, poemas e acordes distintos. Não havia espaço para cedência ou conciliação.

Mas realmente, lá dizia o Camões, mudam-se os tempos, atenuam-se os preconceitos radicais e hoje até acho alguma piada a algumas canções dos Abbas. Em 2008, renitente, guardando não tanto preconceito mas já o meu gosto musical assumido, fui ver o filme «Mamma Mia!». Por devoção ao cinema e a Meryl Streep, apostando que iria fazer um esforço grande para o ver até ao final. Contudo, a divina Meryl Streep e a realização de Phyllida Lloyd (2008) derrotaram-me em definitivo e passei também a saber trautear aquelas canções. (Repito: sempre gostei de filmes musicais). Se não os podes derrotar, junta-te a eles (e com alegria!).

Agora, e por influência de uma alma querida que não dispensa os musicais da Broadway ou do West End fui assistir ao espectáculo no Campo Pequeno, conhecendo de cor e salteada a história da lutadora empresária hoteleira Donna, de sua filha, a casadoira Sophie, e dos três pais desta, Harry, Bill e Sam. Entendo o apoio popular ancorado na simplicidade tocante da história, costurada entre as canções, a alegria festiva de uma comédia que bem podia sair das populares récitas das antigas óperas bufas ou operetas, da felicidade inscrita nas apresentações teatrais saídas da imaginação de Lorenzo da Ponte ou dos dramas vendidos pelas ruas em livrinhos de cordel.

Todo o teatro, musical ou não, popular ou erudito, tem a mesma ancestral função digamos paradoxal, fazer compreender a realidade, sublinhando-a, através da falsidade da respectiva ficção.

Um aplauso maior para a simplicidade funcional do palco. Outro aplauso para as vozes, em particular, de Ellie Kingdon e de Steph Parry.

(Por última confissão. Abbas à parte, dogmas ou preconceitos esquecidos, “Era um redondo vocábulo” continua a ser uma das canções que guardo para sempre no fundo do meu coração!)


jef, 25 de maio de 2025

«Mamma Mia». Texto: Catherine Johnson. Música: a partir das canções dos Abba (Benny Andersson e Björn Ulvaeus). Direcção: Phyllida Lloyd. Coreografia: Anthony Van Laast. Direcção Musical: Martin Koch. Produção: Mark Thompson. Com Ellie Kingdon (Sophie Sheridan), Farirayi Garaba (Ali), Freya Humberstone (Lisa), Sarah Earnshaw (Tanya), Nicky Swift (Rosie), Steph Parry (Donna Sheridan), George Maddison (Sky), Elliott Baker-Costello (Pepper), Jonathan Cordin (Eddie), Stuart Reid (Harry Bright), Bob Harms (Bill Austin), Richard Standing (Sam Carmichael). 130 minutos.

 

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