Confesso
que sempre tive um enorme preconceito por teatros musicais famosos, apesar de
gostar muito de filmes musicais, desde miúdo.
Também
confesso que, por altura do Festival da Eurovisão da Canção de 1974, enquanto
os Abba ganhavam com a canção “Waterloo”, a minha religião musical proibia tal
inclinação infra-popular, extra-burguesa, retro-revolucionária. O meu cânon
político musical seguia avidamente “Cão Raivoso” de Sérgio Godinho, “Era um
redondo vocábulo” de José Afonso, “P'ró que der e vier” de Fausto Bordalo Dias
ou “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” de José Mário Branco. Enfim, a
revolução trazia-nos ideias, poemas e acordes distintos. Não havia espaço para
cedência ou conciliação.
Mas
realmente, lá dizia o Camões, mudam-se os tempos, atenuam-se os preconceitos radicais
e hoje até acho alguma piada a algumas canções dos Abbas. Em 2008, renitente,
guardando não tanto preconceito mas já o meu gosto musical assumido, fui ver o
filme «Mamma Mia!». Por devoção ao cinema e a Meryl Streep, apostando que iria
fazer um esforço grande para o ver até ao final. Contudo, a divina Meryl Streep
e a realização de Phyllida Lloyd (2008) derrotaram-me em definitivo e passei
também a saber trautear aquelas canções. (Repito: sempre gostei de filmes
musicais). Se não os podes derrotar, junta-te a eles (e com alegria!).
Agora,
e por influência de uma alma querida que não dispensa os musicais da Broadway
ou do West End fui assistir ao espectáculo no Campo Pequeno, conhecendo de cor
e salteada a história da lutadora empresária hoteleira Donna, de sua filha, a
casadoira Sophie, e dos três pais desta, Harry, Bill e Sam. Entendo o apoio
popular ancorado na simplicidade tocante da história, costurada entre as
canções, a alegria festiva de uma comédia que bem podia sair das populares
récitas das antigas óperas bufas ou operetas, da felicidade inscrita nas
apresentações teatrais saídas da imaginação de Lorenzo da Ponte ou dos dramas vendidos
pelas ruas em livrinhos de cordel.
Todo
o teatro, musical ou não, popular ou erudito, tem a mesma ancestral função digamos
paradoxal, fazer compreender a realidade, sublinhando-a, através da falsidade
da respectiva ficção.
Um
aplauso maior para a simplicidade funcional do palco. Outro aplauso para as
vozes, em particular, de Ellie Kingdon e de Steph Parry.
(Por última confissão. Abbas à parte, dogmas ou preconceitos esquecidos, “Era um redondo vocábulo” continua a ser uma das canções que guardo para sempre no fundo do meu coração!)
jef,
25 de maio de 2025
«Mamma
Mia». Texto: Catherine Johnson. Música: a partir das canções dos Abba (Benny
Andersson e Björn Ulvaeus). Direcção: Phyllida Lloyd. Coreografia: Anthony Van
Laast. Direcção Musical: Martin Koch. Produção: Mark Thompson. Com Ellie
Kingdon (Sophie Sheridan), Farirayi Garaba (Ali), Freya Humberstone (Lisa), Sarah
Earnshaw (Tanya), Nicky Swift (Rosie), Steph Parry (Donna Sheridan), George
Maddison (Sky), Elliott Baker-Costello (Pepper), Jonathan Cordin (Eddie), Stuart
Reid (Harry Bright), Bob Harms (Bill Austin), Richard Standing (Sam
Carmichael). 130 minutos.
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