terça-feira, 25 de agosto de 2015

Justino mora na sua aldeia












Em qualquer sistema, ser sistemático é um contra-senso. Ser-se sistemático é reduzir a entropia que, a cada momento, o mundo a desorganizar-se vai criando. Mas o mundo desorganiza-se para depois criar mais átomos, mais células. A desconstrução é a estratégia de sobrevivência do mundo. E se num sistema não existe entropia a contrariar, logo não é necessário que Justino seja sistemático. Mas Justino era sistemático, o que provocava não propriamente o riso, mas pelo menos o sorriso complacente da comunidade. E a sua comunidade resumia-se às pessoas, muitas delas suas parentes, que habitavam as quatro ruas, o largo da capela e a estrada junto ao terreiro onde colocaram o reservatório da água e o moinho de vento, onde chegavam as camionetas. A aldeia. Ou seja, o sistema. Aí poderíamos incluir também os animais e as árvores que o rodeavam, já que a comunidade não sobreviveria sem eles. Não sobreviveria no seu modo económico, social ou simbólico. Diga-se, modo moral. Sem as pessoas (e o gado, as árvores de fruto), dificilmente passaria pois era no largo que o sistema se moralizava. Principalmente quando, aí, falavam precisamente de Justino. Pois, nesse aspecto, também a comunidade era sistemática. Não havia tarde em que dele (ou da sua mulher, filha, filho, gato, cão, cabras e galinhas) não falassem. Era apenas um sistema moral equidistante entre a soberba e a inveja. Precisavam só de um elemento teórico externo para poderem observar-se por dentro e sorrirem.

Pode dizer-se que, moralmente, Justino era feliz na sua aldeia.


jef, agosto 2015

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