Umberto Eco afirma que, ao contrário dos factos da Físico-Química ou da História que
são válidos até ser provado o seu contrário, ninguém poderá jamais duvidar de
que o Capuchinho é Vermelho ou que Tom Sawyer é um indesmentível miúdo
traquinas que vive entre arreliar a tia Polly, que tem uma predilecção muito
especial por este sobrinho, e levar o seu amigo Huckleberry Finn a enveredar
pelo mundo livresco de piratas galantes e ladrões eticamente irrepreensíveis.
A
ficção é inquestionável e podemos sempre tomar as personagens das aventuras de
Tom Sawyer como a realidade que une dois pontos da nossa vida. Um trajecto que
começa com a primeira leitura da “Biblioteca dos Rapazes” da Portugália
Editora, acompanhada entusiasticamente com bolachas Maria, leitura ávida a
desejar ler a página derradeira para conhecer o fim das aventuras mas já
temendo a nostalgia triste de fecharmos um livro já lido. E continua, cinquenta
anos depois, com uma terna memória (e um entusiasmo semelhante ao primeiro) ao
descobrir as artimanhas do travesso miúdo mas, agora, lendo as entrelinhas que
o autor coloca na comunidade do Missouri, a pequena povoação sulista de St.
Petersburg, aldeia a desejar ser urbana mas plantada na margem do rio Mississipi. A
igreja, o reverendo Sprengue e os prémios-bulas religiosas; os saraus da escola
e as classes regidas pelo professor Dobbins, que ansiara ser médico; a gruta do
monte Cardiff e a ilha dos piratas nessa vontade das crianças de fugir dos
adultos para tentarem deles se aproximar. Também o inevitável e desgostoso
gosto de morrer para assistir às penas e às lágrimas que os outros, finalmente,
derramarão sobre a sua tristeza solitária. E essa deliciosa e infantil libido
que fará Thomas Sawyer rejeitar Amy Lawrence e aproximar-se de Becky Thatcher,
a filha do juiz.
Concordemos
com Umberto Eco, tudo em Tom Sawyer é real, criativo, verdadeiro. Universal e
eterno.
jef,
setembro 2021