quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Sobre o livro «O Homem que Era Quinta-Feira» de G.K. Chesterton (1908). Colecção Ficções 11, Editorial Estampa, 1989. Tradução de Domingos Arouca.


 









Do modo anacrónico, como as coisas sempre se associam no nosso interior, G.K. Chesterton (1874 – 1936) faz parte de um certo mundo britânico a que ligo aos Monty Phyton. Um mundo desvairado mas coerente, elegante mas sempre contracorrente, aparentemente abstracto, fantasioso e delirante, irónico até mais não, sarcástico, e ao mesmo tempo muito sério, nunca se desviando um centímetro da regra narrativa de melhor prender o leitor. Do melhor e mais clássico tom linguístico. Charles Dickens, Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Arthur Conan Doyle, Horace Walpole, Lewis Carroll, e por aí fora…

Este é um romance que poderia ser lido como um livro de aventuras para crianças que gostem de poetas, polícias e anarquistas bombistas de chapéu alto e labita. Estamos no início do século XX e aqui ninguém é quem parece. Tudo é falso. Excepto talvez o antagonismo semiótico que acontece logo no início, em Saffron Park, entre o ruivo, incendiário e anarquista palestrante, Lucian Gregory, e o poeta da ordem e da lei, Gabriel Syme. Afinal quem são os sete membros do dinamitador Conselho Central Europeu dos Anarquistas? O que é o Serviço filosófico da Scotland Yard? Por que se mascaram eles e são na realidade o que não parecem? Porque teria Syme “aqueles espasmos de grande senso, essas intuições poéticas que por vezes chegavam à exaltação profética”?

Porque lutam desesperadamente uns contra os outros se partilham todos a mesma identidade, uma amizade solidária quase saída do reino dos romances de cavalaria, dos romances de aventuras mais fabulosos?

Porque desconfiam de tudo e de todos, se tudo e todos são falsos?

«querem que vos diga qual é o segredo do mundo inteiro? É que lhe conhecemos apenas as costas, vemos tudo por trás e parece-nos brutal. Aquilo não é uma árvore, são as costas de uma árvore, aquilo não é uma nuvem, mas sim as costas de uma nuvem. Não vêem que tudo se curva e esconde a cara? Se nós pudéssemos ver de frente…»

«Um distraído é um bem-intencionado, é um indivíduo que, se reparar em nós, pede desculpa. Mas já pensaram num distraído que, se nos vir, mata? Isso é que esgota os nervos, a abstracção combinada com a crueldade».

«O trabalho do polícia filósofo é ao mesmo tempo mais audacioso e mais subtil que o do polícia vulgar. Este vai aos tascos prender ladrões, nós vamos aos chás de artistas descobrir pessimistas. O detective vulgar descobre, por uma agenda ou por um diário, que se cometeu um crime. Nós, num livro de sonetos, descobrimos que se vai cometer um crime.»

E está tudo dito!

(Só é pena a edição estar semeada de tantos erros, de revisão e dos outros…)

 

jef, setembro 2021

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