quinta-feira, 9 de maio de 2024

Sobre o filme «No Interior do Casulo Amarelo» de Thien An Pham, 2023



 















Um filme delicadamente simples sobre a explicação da fé como procura incessante. Nesse aspecto, um filme extremamente poético que deve ser visto com tempo e com silêncio.

Deus está presente, um Deus católico quase animista pela sua presença quase palpável.

Lembrou-me «Ao Correr do Tempo» de Wim Wenders (1976). Só que ali o tempo decorre ao longo de uma fronteira intransponível, neste, o tempo está dentro de Thien (Le Phong Vu) que deve regressar de Saigão à terra natal acarinhando o sobrinho órfão Dao (Nguyen Thinh), cumprindo o rito religioso da morte e a procura de um irmão desaparecido, cuja fuga (ou sonho) se confunde com a dele próprio. A chegada coincide com o ponto de partida. E esta última parece ser a natureza chuvosa e lamacenta de um Vietnam devoto e, agora, pacífico mas onde os galos ainda cantam para que os outros machos se aproximem e o combate se inicie entre a folhagem tropical.

Um belo filme (início de carreira), inteligente e pausado, tão carinhoso quanto sensível e observador.


jef, janeiro 2024

«No Interior do Casulo Amarelo» (Ben trong vo ken vang) de Thien An Pham. Com Le Phong Vu, Nguyen Thinh, Nguyen Thi Truc Quynh, Vu Ngoc Manh Nguyen Van Lu'u, Phi Dieu, Manh Cuong Tran, Phan Ti My Duyen, Vu Trong Tuyen, Nguyen Han, Ngo Thuy Tien, Ba Vo, Chau Thien Kim, Nguyen Thi Hoai Dung, Anh Nguyen, Do Thien Hoang. Argumento: Thien An Pham. Produção: Tran Van Thi, Jeremy Chua. Fotografia: Dinh Duy Hung. Vietname / Singapura / França / Espanha, 2023, Cores, 178 min.

 

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Sobre o filme «Uma Vida Singular» de James Hawes, 2023


 



















Este é um filme exemplar. Um filme sobre a eterna e trágica memória do Holocausto. Sobre como um jovem inglês, corrector financeiro, rico e muito atento às manobras com que o partido Nazi de Hitler ia, no início, iludindo o panorama político europeu. Neste episódio, a cedência de parte do território da República Checa aos nazis para que não tomassem todo o braço europeu.

Nicholas Winton (Anthony Hopkins / Johnny Flynn), com a ajuda da mãe Babi Winton (Helena Bonham Carter), e integrado num grupo de activistas em Praga, consegue organizar sucessivas viagens de comboio com destino a Londres, salvando 669 crianças judias que seriam enviadas para os campos de extermínio nazis.

O filme é contado de um modo tão simples como comovente, rápido sem atropelar a história, entregando todo o cariz vivo e dramático aos actores que interpretam a figura do humanista Nicholas Winton. Em jovem, Johnny Flynn secundado pela mãe Helena Bonham Carter. Em velho, por Anthony Hopkins, pela sua mulher Grete Winton (Lena Olin).

São quatro interpretações únicas que permanecem até ao fim no caminho do humor dentro da tragédia, onde a interpretação de Anthony Hopkins é uma das mais surpreendentes da sua carreira. Minuciosa, discreta, imparável. Uma mistura perfeita de humor, sensibilidade e irreverência, de nostalgia e projecção no futuro. Sem tiques nem rodriguinhos!

Atenção também à maravilhosa Helena Bonham Carter, ao guarda-roupa (Joanna Eatwell), à luminosidade do filme (Zac Nicholson) e à sua banda sonora (Volker Bertelmann).

Um filme que faz sorrir dentro das lágrimas.

Um filme cada vez mais importante nos dias politicamente tão estúpidos em que vivemos.


jef, fevereiro 2024

«Uma Vida Singular» (One Life) de Alexander Payne. Com Anthony Hopkins, Lena Olin, Johnny Flynn, Helena Bonham Carter, Tim Steed, Matilda Thorpe, Daniel Brown, Alex Sharp, Jirí Simek, Romola Garai, Barbora Váchová, Juliana Moska, Jolana Jirotková, Michal Skach, Samuel Himal, Matej Karas, Jonathan Pryce. Argumento: Lucinda Coxon, Nick Drake , baseado no livro de Barbara Winton. Produção: Iain Canning, Guy Heeley, Joanna Laurie, Emile Sherman. Fotografia: Zac Nicholson. Música: Volker Bertelmann. Guarda-roupa: Joanna Eatwell. Grã-Bretanha / República Checa, 2023, Cores, 109 min.

 

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Sobre o livro «Antes que o Café Arrefeça» de Toshikazu Kawaguchi, Editorial Presença 2023. Tradução da versão inglesa de Isabel Nunes e Helena Sobral.










Desconheço a cultura japonesa. Porém, muitos filmes japoneses fazem parte da minha mais restricta e secreta cinefilia emocional.

«Viver» de Akira Kurosawa 1952. «Crepúsculo em Tóquio» de Yasujiro Ozu. 1957. «Primavera Tardia» de Yasujiro Ozu, 1949. «O Som do Nevoeiro» de Hiroshi Shimizu, 1956. «Viagem a Tóquio» de Yasujiro Ozu, 1953. «Ninguém Sabe» Hirokazu Kore-eda, 2004. Por exemplo.

Por eles, entendo como nesse país o tempo entre gerações e o espaço entre os elementos da família são medidos através de uma profunda (com)paixão, uma enorme reverência, uma resignada cerimónia. Tudo enlaçado pela comoção, pela poesia, pelo dramatismo.

Talvez por isso, esqueça as paragonas comerciais com que a editora vende o livro e encontre nele apoio nesse meu “preconceito” perante a cultura japonesa: comoção, poesia e índole teatral.

São quatro histórias familiares e íntimas, tão banais quanto frágeis passadas num café-meio-cave, singelo, discreto, escondido num beco da enorme cidade de Tóquio. Um café centenário que serve um requintado café personalizado, servido por um pequeno e silencioso núcleo familiar. Nas paredes estão expostos três relógios desacertados e as três únicas mesas do estabelecimento costumam estar ocupadas por clientes muito habituais. Um dia, um cronista de jornal descobriu que o local tem um compromisso com o Tempo. Ali, pode-se viajar nele, reconhecer o passado, espreitar o porvir mas quem o faz não pode mexer no presente.

Toshikazu Kawaguchi oferece-nos esse lado cinéfilo através das descrições dos que entram ou saem pela porta do café ou pela porta do Tempo; também o pendor dramático e teatral pois grande parte das histórias é contada através de diálogos; o lado poético porque o silêncio sublinha o lado quase resignação ou abandono dessa devoção amorosa pela ideia de família.

jef, maio 2024