quinta-feira, 30 de junho de 2022

Sobre o filme «Tão Perto, Tão Longe» de Cédric Klapisch, 2019




























Nem sempre o cinema se resume a obras-primas. Woody Allen com «A Rosa Púrpura do Cairo» (1985) mostra como a história do cinema é mesmo feita, igualmente, de diversão e fantasia, distração e evasão. O cinema está repleto de comédias românticas que encantam e dão prazer sem precisarem de ficar para a dita história.

É o caso deste filme. Comove, faz sorrir e encanta sem puxar os galões da mestria. Um rapaz, Rémy (François Civil), e uma rapariga, Mélanie (Ana Girardot), trintões e solitários, têm vidas paralelas. Vivem paredes meias. Vêem passar os mesmos comboios pelas janelas das traseiras. Entretêm-se a curtir os próprios isolamentos recalcados. São aconselhados a fazer psicoterapia e a aprender a dançar konpa. Partilham o mesmo gatinho e a mercearia multicultural do senhor Mansour (Simon Abkarian). Mas não se conhecem.

É apenas isto. Nada mais.

A história é talvez demasiado simples. As razões sacadas pelos respectivos terapeutas são demasiado lineares. Rémy recupera e faz escalada artificial de modo brilhante. Mélanie sobrevive de modo extraordinário a uma brutal bebedeira e faz o pleno perante os financiadores do laboratório de biofísica onde investiga.

Apenas isto. Nada mais. A vida não é assim.

Mas o cinema também pode não ser sempre um documentário fundamental e a vida real raras vezes dá bons argumentos dramáticos, muito menos boas histórias para comédias românticas.

jef, junho 2022

«Tão Perto, Tão Longe» (Deux moi) de Cédric Klapisch. Com Ana Girardot, François Civil, Camille Cottin, Pierre Niney, François Berléand, Simon Abkarian, Eye Haidara, Rebecca Marder, Zinedine Soualem, Virginie Hocq, Paul Hamy, Marie Bunel, Patrick d'Assumçao, Garance Clavel, Vincent Scalera, Emmanuelle Bouaziz, Satya Dusaugey, Brune Renault, Candice Bouchet, Quentin Faure, Jeanne Arènes, Michel Lerousseau, Renée Le Calm, Dady Saint-Thomas. Argumento: Cédric Klapisch, Santiago Amigorena. Produção: Cédric Klapisch, Bruno Levy. Fotografia: Élodie Tahtane. Música: Loïc Dury, Christophe Minck. França, 2019, Cores, 110 min.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Sobre o livro «Cadernos da Água» de João Reis, Quetzal, 2022










Este romance é como aqueles livros de anti-aventuras, o «1984» de George Orwell (1949) ou o «Fahrenheit 451» de Ray Bradbury (1953). O leitor fica perante (ou por dentro) de uma realidade que parece ficcionada ou de uma ficção que cheira a uma fantasia real e expectante.

Existe um incómodo que ameaça acelerar à medida que as páginas vão sendo viradas. E acelera mesmo, entre a angústia da espera e a solidão dos refugiados. Como num belo livro policial com ladrões e carniceiros.

Na Suécia, seguimos Sara e a sua filha Mariana, por um lado. Por outro, Emanuel, o marido e pai, que ficou para trás, numa terra poeirenta e desértica, assombrada por melícias compostas por torcionários armados. Na Península Ibérica, Portugal e Espanha deixaram as nacionalidades por terra. Quem ali nasceu ficou apátrida. Os governos fantoches protegem-se dentro de bunkers onda a comida e, principalmente a água, são racionadas.

Já ninguém fala da crise petrolífera. A guerra é feita pela conquista de um pouco mais de água. Os nórdicos montam campos de refugiados, ou de acolhimento, por eufemismo, para receber os fugitivos do Sul. A Rússia invadiu a Ucrânia e a China está a um passo de Taiwan. As convulsões sociais internas ocorreram em praticamente todos os países após o chamado Primeiro Evento e as Guerras Meridionais da Água. A bacia mediterrânica é o centro da catástrofe.

O mundo desaba enquanto os refugiados contam cada vez menos aviões que transportam sobreviventes para os locais ligeiramente mais seguros. O presente apenas aguarda, o futuro não é garantia.

Este livro tem uma missão ecológica de alerta mas não deixa de ser um romance escrito ao sabor lógico e perfeccionista da bela escrita do autor. João Reis é um escritor empenhado na boa literatura (e nas melhores traduções), também nas causas que transcendem a humanidade. Cada livro seu é uma brilhante novidade e uma descoberta para o leitor entusiasmado.


jef, junho 2022

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Sobre o filme «Um Outro Mundo» de Stéphane Brizé», 2020.



















Ao contrário de «O Bom Patrão» de Fernando León de Aranoa (2021) este filme não é uma comédia. Antes uma tragédia sobre o mesmo desaforo do capitalismo contemporâneo. Bruto, lucrativo, insensível. O realizador Stéphane Brizé, depois de nos dar «A Lei do Mercado» (2015), lança-nos agora numa lição angustiante sobre “a lei do lucro” vista não pelo lado dos trabalhadores, como era o filme de 2015, mas pelo dos “sub-chefes executivos” das unidades fabris que têm a tarefa difícil de mentir aos operários e quase mentir aos patrões superiores, vagamente afastados no éter do espaço. Para a concentrações das mais-valias, há que reestruturar, reduzir custos na produção, realizar despedimentos a todo o custo, aumentar a carga laboral por operário.

Philippe Lemesle (Vincent Lindon) concentra o ódio dos trabalhadores e quando propõe reduzir os lucros suplementares distribuídos anualmente aos directores passa também a concentrar o ódio dos seus superiores. Pelo meio fica uma família destruída. A mulher, Anne (Sandrine Kiberlain) que força o divórcio e o filho, Lucas (Anthony Bajon) que expõe a sua raiva incontida entre a violência e o autismo. Nada mais simples. Nada mais dramático.

Tal como em «A Lei do Mercado», Stéphane Brizé coloca a tónica na crescente desestruturação interior da personagem de Vincent Lindon que, magistralmente, arrasta-nos através da sua crescente angústia. Também magistrais são os contrapontos familiares de Sandrine Kiberlain e Anthony Bajon. Outra peça fundamental é a frieza profissional e leviana da directora parisiense Claire Bonnet-Guérin, interpetada pela não menos magistral Marie Drucker.

Um filme moral e muito importante nos dias que correm para quem goste de apreciar o teatro no cinema.

Ou como bem explicar a lei básica do capitalismo em 97 minutos.


jef, junho 2022

«Um Outro Mundo» (Un Autre Monde) de Stéphane Brizé. Com Vincent Lindon, Sandrine Kiberlain, Anthony Bajon, Marie Drucker, Guillaume Draux, Olivier Lemaire, Christophe Rossignon, Sarah Laurent, Joyce Bibring, Olivier Beaudet, Jean-Pierre Gauthier, Didier Bille, Valérie Lamond, Mehdi Bouzaïda, Myriam Larguèche. Argumento: Stéphane Brizé, Olivier Gorce. Produção: Philip Boëffard, Stéphane Brizé, Pierre Guyard, Vincent Lindon, Christophe Rossignon. Fotografia: Eric Dumont. Música: Camille Rocailleux. França, 2020, Cores, 97 min.

domingo, 26 de junho de 2022

Sobre o filme «Celebridades» de Woody Allen, 1998













































Em 2018, Woody Allen respondia aos seus detractores sociais e hollywoodescos em «Um Dia de Chuva em Nova Iorque», ironizando o poder da sedução e do assédio na contratação profissional no mundo do cinema. Contudo, vinte anos antes, já o realizador tinha colocado o dedo na ferida aberta de um modo quase escatológico em «Celebridaddes». Rápido, sem dar fôlego aos espectadores, o escritor Lee Simon (Kenneth Branagh) vê-se num beco manietado pela libido da meia-idade e pela quase castidade católica da sua esposa Robin (Judy Davis). Numa feroz crítica ao papel da culpa leccionada no catecismo católico, que consegue destruir constantemente a vocação de felicidade e prazer no presente, um facto é que Robin lá consegue reerguer-se e dar a volta à depressão do divórcio, acabando a fazer o pleno como pivot de sucesso que entrevista para a televisão, todas as manhã, as celebridades do jet set, entre as quais o próprio (ele mesmo) Donald Trump. Um facto é que, pelo contrário, Lee Simon não encontra nem estímulo nem pacificação afectiva nas novas relações para terminar o seu novo romance, cujas páginas acabam por ser dispersadas pelo rio Hudson, irremediavelmente. Lee termina de modo triste e muito simples a ver desenhadas no céu de um filme em estreia as letras da categórica palavra «HELP».

Nunca Woody Allen terá conseguido juntar tantas e tão belas estrelas do universo cinematográfico como neste filme!


jef, junho 2022

«Celebridades» (Celebrity) de Woody Allen. Com Kenneth Branagh, Winona Ryder, Judy Davis, Charlize Theron, Joe Mantegna, Melanie Griffith, Leonardo DiCaprio, Greg Mottola, Jeff Mazzola, Dick Mingalone, Vladimir Bibic, Francisco Quijada, Aleksa Palladino, Dan Moran, Peter Castellotti, A. Lee Morris, Douglas McGrath, Maurice Sonnenberg, Craig Ulmschneider, Mina Bern, John Carter, Monique Fowler, Melinda Eng, Anthony Mason, Kate Burton, Andre Gregory, Donald Trump. Argumento: Woody Allen. Produção: Jean Doumanian, Charles H. Joffe, Jack Rollins. Fotografia: Sven Nykvist. EUA, 1998, P/B, 113 min.

 

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Sobre o livro «A Dama do Lago» de Raymond Chandler (1943), Visão – Mestres Policiais, Colecção Lipton 2001. Tradução de Jorge Pinheiro. Capa de Carlos Bravo.










Mas, afinal, quem foi encontrada no Little Fawn Lake? Quem é a mulher do lago: Crystal Kingsley, Muriel Chess, Mildred Haviland, Mrs. Fallbrook? A pergunta desde logo se coloca, muito pouco tempo depois de Philip Marlowe entrar no escritório de Derace Kingsley e fazer-se anunciar à sua secretária, Miss Fromsett.

Em Raymond Chandler existe uma pulsão irreprimida para descrever detalhes, mobiliário, decores, arquitecturas – a cor do chapéu de Mrs. Fallbrook; o carro, o escritório fanado e a indumentária surrada do impagável polícia Jim Patton que pede para votarem nele como candidato ao edil pois já está velho para trabalhar como polícia; o olhar azul metálico do agente Al Degarmo; o apartamento às quatro na madrugada de Miss Fromsett; as estradas nocturnas que ligam Bay City à região montanhosa dos lagos; o cheiro do tabaco, dos charutos e do gin derramado aos litros; o corpo musculado e cativante de Christoher Lavery caído na banheira; as tonalidades do pó-de-arroz e do batom de Miss Fromsett.

Tudo fornece à solidão amargurada e mal dormida de Philip Marlowe uma aura quase erótica da sua própria paisagem humana. O seu discernimento sagaz e ininterrupto face à agitação crescente da intriga deixa-o a um passo da exaustão total. Assim o crê o leitor atento e solidário. Mas não. Ele não esmorece, permanece insone, dorido e só. Ternamente solitário.

Philip Marlowe também é enganado e não é emocionalmente infalível mas garante a sobrevivência da verdade, para além dos murros, das contusões e nódoas negras. Apesar de sofrido, o detective de Raymond Chandler não desarma nem enriquece e, também ele, é confundido pela sobreposição das sucessivas imagens femininas que, neste romance, surgem de modo virtual, caleidoscópico, como os reflexos quebrados de «A Dama de Xangai» (Orson Welles, 1947).

Aqui, não interessa a coincidência dos factores, a exiguidade de uma enorme cidade onde todos se encontram e cruzam a toda a hora, a simultaneidade teatral das circunstâncias. A realidade é um espaço demasiado curto para colorir a intriga imaginada por Raymond Chandler.

Afinal, a realidade está mesmo presente no interior de um quarto, no pormenor de um jardim, no detalhe de um quadro preso na parede, no gesto de um cigarro aceso na noite, na ansiedade por detrás da porta que não se abriu.

Apesar do bando de gralhas ortográficas e da ninhada de gatos de tradução que inundam a presente edição, ler este livro é um prazer total, quase um prazer arcaico ou infantil. É a própria definição de leitura.

 

jef, junho 2022

Sobre a leitura de «Austerlitz» de W.G. Sebald, Quetzal 2012 (2001)
























O unir dos pontos.

No jogo dos miúdos, o traço do lápis vai ligando os pontos e, no final, faz aparecer a figura insuspeitada, para espanto do próprio que a desenhou. Assim é «Austerlitz», assim é a leitura (dos livros, dos filmes, das músicas, das pessoas). Embora W.G. Sebald soubesse, ao publicar o livro em 2001, que estava a fotografar a memória esquecida ou a dar nova consciência à arquitectura, não desconfiava que uniria dois pontos únicos do que eu sou, aqui e agora: (1) Theresienstadt e (2) Marienbad. Ambas as geografias vogavam dentro de mim, isoladas, independentes, conhecidas pela imagem maior que delas me haviam dado os nomes de (1) Anne Sofie von Otter no álbum da Deutsche Grammophon (2007), onde a meio-soprano canta peças compostas no campo de extermínio / gueto de Theresienstadt e de (2) Alain Resnais autor de «O Último Ano em Marienbad» (1961), filme do futuro onírico onde as personagens deambulam no espectro da morte e da ausência. Unindo-me os pontos, Sebald criou um novo objecto fazendo-me entrar na filosofia da perda inexorável da memória, da narrativa compulsiva dos objectos, da descrição minuciosa das estações de caminho de ferro, da fotografia real-imaginária de quem só pode regressar através do sonho ou em pesadelo. Uma viagem fotografada-imaginada como dez anos depois o foram «Baku, Últimos Dias» de Olivier Rolin ou «A Lebre de Olhos de Âmbar» de Edmund de Waal.

«Austerlitz» é um livro que une os pontos esquecidos ou as pontas soltas que navegam dentro de nós. «Austerlitz» é, sobretudo, um livro que demonstra a importância absoluta de permanecermos a ler (pessoas, músicas, filmes e livros).

Resumindo, é um erro não ler este livro!


jef, Junho 2014

terça-feira, 21 de junho de 2022

Sobre o livro «Praça de Londres» de Lídia Jorge. Dom Quixote, 2008.










São cinco contos situados como sitiadas são as personagens que os percorrem.

No seu característico modo de adensar o espectro ou a aura das personagens, sobretudo as femininas, no interior de situações banais de tão pouca transcendência romanesca, Lídia Jorge entrega-lhes, o corpo da literatura.

Por altura do Natal, uma mulher a braços com a gélida papelada de uma questão judicial observa a ternura entre dois seres. Tenta que a angústia e o desconforto emocional que sente não os persiga, mas não resiste e vai atrás deles. Na Praça de Londres.

Duas mulheres prendem-se irremediavelmente pela bela imagem de uma mala de senhora que as espreita de uma montra de produtos de luxo na Rue du Rhône, em Genève. Não resistem à leveza bravia da pele de um crocodilo da Luisiana que cobre o objecto e a vendedora da loja não desmerece o gabarito profissional.

Maria da Graça não consegue distanciar-se da profissão de gerente de conta de um banco, apesar do ano estar a terminar, também da festa que a aguarda. A Avenida EUA e o Campo Grande começam a tornar-se um deserto habitado por fantasias e fantasmas.

Numa viagem de comboio pelas margens do rio Pó, um homem senta-se frente a uma mulher a quem ajudou a colocar a mala na bagageira. Ele refere: «Mas o que mais interessa é que a partir das primeiras palavras logo nos apercebemos de que tínhamos o essencial em comum – A senhora escreve histórias de cordel, como diz, e eu redijo relatórios criminais, como disse. Sejamos francos, duas actividades geminadas. Desde sempre que andaram juntas, garanto-lhe, e também duas actividades que poderão cair em desuso.»

Por fim (e de uma forma rara na obra de Lídia Jorge), «Perfume» conta a história de iniciação de um rapaz na vida adulta. História agreste de abandono e reencontro, de solidão e consciência de como são importantes mas pouco solidárias as dores de crescimento. «A imprecisão é uma espécie de penumbra onde os vultos que importam ganham a sua merecida luz, com o correr do tempo. Esse momento foi importante porque inaugurou uma era, mas não uma data, não precisa desse luxo de calendário.»

Lídia Jorge é uma escritora que mantém o dogma literário dos seus grandes romances na concisa voracidade das histórias breves.


jef, junho 2022

Sobre o filme «A Marquesa d'O» de Éric Rohmer, 1976
































Falado pausadamente em alemão, para dar tempo ao teatro e à consciência e assunção da verdade por parte do espectador, o filme torna-se como um trunfo de entre tantos filmes de Éric Rohmer. Também se desvenda como a excepção que afirma a regra literária e a verve filosófica que preenche todos os poros da filmografia do realizador.

Nada melhor que apresentar o livro de Heinrich von Kleist não do modo do dialogante campo-contracampo, mas como surge na dramaturgia clássica, colocado num só plano, habitual também nas pinturas renascentistas ou nos quadros dos burgueses flamengos.

A Marquesa d’O (Edith Clever) vê-se a cargo com a dúvida de uma gravidez apócrifa e virginal após uma tentativa de violação por parte de soldados russos, quando da invasão do território integrado na Lombardia, e do seu salvamento pelo Conde F. (Bruno Ganz).

A verdade parece estar em dúvida, e o seu julgamento é, cerimoniosamente, assumido pelos diversos personagens que circulam em torno da virgem-grávida. Todos aqui respeitam a palavra do outro, a sua própria dúvida e o valor do arrependimento e do perdão como prova maior da humanidade.

Eles entendem, no entanto, que a verdade será sempre ratificada pelo amor. E será este a mais sólida garantia da sua contra-prova. Por isso mesmo, e apesar da sociedade, a Marquesa d’O publica um anúncio no jornal solicitando a irremediável presença paterna do seu futuro filho.

Um filme onde a ternura vale muito mais que a paixão, e a verdade brilha perante o julgamento alheio.


jef, junho 2022

«A Marquesa d'O» (Die Marquise von O) de Éric Rohmer. Com Edith Clever , Bruno Ganz , Edda Seippel, Peter Lühr, Otto Sander, Eduard Linkers, Ruth Drexel, Bernhard Frey, Hesso Huber, Erich Schachinger, Richard Rogner, Thomas Straus, Volker Prechtel, Marion Müller, Heidi Möller, Franz Pikola, Theo de Maal, Petra Meier, Manuela Mayer. Argumento: Éric Rohmer a partir do romance de Heinrich von Kleist. Produção: Klaus Hellwig e Barbet Schroeder. Fotografia: Néstor Almendros. Guarda-roupa: Moidele Bickel. França / Alemanha, 1976, Cores, 102 min.

               

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Sobre o filme «4 Aventuras de Reinette e Mirabelle» de Éric Rohmer, 1987


 



















«A Hora Azul», «O Empregado do Café», «O Mendigo, a Cleptomaníaca e a Burlona» e «A Venda do Quadro» – são estas as aventuras que unem Reinette (Joëlle Miquel) e Mirabelle (Mirabelle), quando esta última, vinda da cidade, tem um furo no pneu da bicicleta e é ajudada por Reinette que lhe ensina o que tem de fazer. E nós, espectadores atentos, tomamos nota e relembramos as férias de Verão sempre com a bicicleta ao lado. É o conto «A Hora Azul», esse momento único para Reinette, entre o a noite e a madrugada, quando os animais nocturnos já se silenciaram e os da manhã ainda não se deixam ouvir.

Com as duas amigas inseparáveis, nós também escutamos o silêncio, e, depois, observamos como as duas entidades ou personalidades se unem ou se confrontam no interior de uma cidade amável e agreste ao mesmo tempo. Um café pode custar 4,50 francos e o empregado (Philippe Laudenbach) embirrar definitivamente pelo troco a dar ou pode uma aldrabona (Marie Rivière) pedir 6,70 francos para um bilhete de comboio a vinte pessoas diferentes. O marchand (Fabrice Luchini) pode fazer-se difícil pelos 2.000 francos a oferecer por um quadro que logo venderá por 4.000. Podem até Reinette e Mirabelle desentenderem-se quando esta acha graça em ajudar uma ladra a fugir com as compras de um supermercado, enquanto Reinette protesta pela dupla vigarice da amiga. Mas o confronto entre o campo e a cidade uni-las-á sempre.

Afinal, numa cidade como Paris, tudo pode acontecer e com esse “tudo” Éric Rohmer faz humor sobre a moral, colocando-a sob o fogo cruzado do diálogo, repleto de candura. No fundo, estas histórias sobre “tudo” são quase “nada” reflectidas na consciência das palavras sem antecedência ou consequência pela voz das actrizes (e dos actores).

Digamos ser este o mais poderoso e belo sintoma “joelho de Claire” que identifica a bula cinematográfica de Éric Rohmer.


jef, junho 2022

«4 Aventuras de Reinette e Mirabelle» (4 Aventures de Reinette et Mirabelle) de Éric Rohmer. Com Joëlle Miquel, Jessica Forde, Mr. Housseau, Mme. Housseau, Philippe Laudenbach, François-Marie Banier, Jean-Claude Brisseau, Yasmine Haury, Gérard Courant, Béatrice Romand, Marie Rivière, David Rocksavage, Jacques Auffray, Haydée Caillot, Fabrice Luchini, Marie Bouteloup, Françoise Valier, Éric Rohmer. Argumento: Éric Rohmer e Joëlle Miquel. Produção: Françoise Etchegaray. Fotografia: Sophie Maintigneux. França, 1987, Cores, 99 min.

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Sobre o filme «Perceval, o Galês» de Éric Rohmer, 1978

 











O texto em octossílabos vem do livro do trovador francês do final do século XII, Chrétien de Troyes, e conta a história de um jovem determinado mas ingénuo por excessiva protecção materna, que resolve ir conhecer o mundo sem fim que gira em torno da gesta da cavalaria, da sua moral, do seu amor, da sua lealdade. O santo Graal está lá, assim como o Rei Artur, mas o que interessa mesmo é a devoção de Perceval por uma aventura que está contida, digamos concentrada, na declamação sintomática daquela poesia. O cenário é um modo de localizar a atenção no teatro que é a própria representação, que, afinal, é a própria verdade escutada.

Perceval toma à letra as indicações maternas e prossegue viagem, de aventura em aventura, de aprendizagem em aprendizagem, até esquecer o centro do mundo que é a sua mãe, até olvidar o próprio Deus a quem devia plena devoção.

Nesse momento a sua consciência será a sua penitência e redenção. Vê-se confrontado com aquela tarde santa em que Jesus é sacrificado pela ideia que lhe foi confiada. Perceval é Jesus e é morto. Assim renascerá Perceval perante o mundo e, assim, a viagem prosseguirá eternamente.

Pela graciosidade quase infantil com que esta história nos é contada, tocada e cantada, na minha memória, colocarei este filme muito junto de um outro monumento do cinema-teatro musical que é «A Flauta Mágica» de Ingmar Bergman (1975).


jef, maio 2022

«Perceval, o Galês» (Perceval le Gallois) de Éric Rohmer. Com Fabrice Luchini, André Dussollier, Solange Boulanger, Catherine Schroeder, Francisco Orozco, Deborah Nathan, Jean-Paul Racodon, Alain Serve, Daniel Tarrare, Pascale Ogier, Nicolaï Arutene, Marie Rivière, Pascale Gervais De Lafond, Marc Eyraud, Jocelyne Boisseau. Argumento: Éric Rohmer a partir do romance de Chrétien de Troyes. Produção: Margaret Ménégoz e Barbet Schroeder. Fotografia: Néstor Almendros. Música: Guy Robert. Guarda-roupa: Jacques Schmidt.França / Alemanha, 1978, Cores, 140 min.