Juvita Maria nasceu
tarde.
Fora de horas, noite
dentro. O pai desesperava, a mãe mais ainda, os rins a doer, as dilatações a
contrair, as horas lentas a passar, os médicos ora impacientes ora distraídos,
as enfermeiras cansadas.
Juvita Maria lá nasceu,
lá foi crescendo, lá foi vivendo, com alegria. A mãe de um lado, o pai do
outro, os avós por cima e por baixo. Sem irmãos. Uma chegava e sobrava.
Nunca ela se toldou pelo
pormenor do carinho, cercada de exageros afectuosos, de protecções cuidadas pela
aflição. Apenas pressentia que nascer custava e, por isso, vivia com atenção.
Não era mimada. Não fazia birras.
Gostava muito da atenção
dos outros.
Gostava dos beijos que
os outros lhe davam, do sorriso da família, das festas no cabelo que os vizinhos
lhe faziam. Das idas ao hospital iluminado e a cheirar a lavado. Ali, ia brincando
em vez de esperar. Tarde fora, fora de horas. Sem saber bem, muito se entretinha
a observar os outros que se entretinham a observá-la.
Entre brincadeiras,
aprendeu, por fim, o jogo das cores e dos nomes respectivos. Plasticina.
Gostava muito de
plasticina. Tanto, que os outros se habituaram a dar-lhe plasticina.
Gostava de repetir o
que via na matéria colorida. Com nomes já. Repetia e aprendia. Tinha jeito
para aquilo. Repetia cães com trela e árvores de fruto, a mãe, o pai, o médico.
Repetia os outros pelas cores da plasticina. Pelos nomes respectivos. Gostava
de os outros gostarem das formas que repetia e que a mãe guardava com cuidado.
Juvita Maria entretinha-se a ver a cara dos outros a olhar os nomes coloridos quando a mãe ou o pai os
levavam para espantarem o médico.
Mas sabia que, com o
calor das mãos ou do Verão, as cores desapareciam. Ou melhor, transformavam-se em vez de desaparecerem. O calor fazia moldar as cores e amolecer
as formas. Mas Juvita Maria não se entristecia. Mais cores novas apareceriam
enquanto o calor do Verão não passava. E novas plasticinas chegavam no
aniversário seguinte.
Era só esperar um pouco
e continuar a brincar.
Melhor ainda era repetir
a forma dos nomes sob o olhar dos outros. Com o correr do tempo. Ocre. Magenta.
Anil. Violeta. Sépia. Terra de Siena queimada. Carmim. O preto que nunca o é. O
branco que tudo junta. O verde que é azul e amarelo.
Cores nas palavras. Todos
compreendiam o que elas significavam. Como todos falavam. Apenas não compreendiam que o tempo assim corria.
Um dia, Juvita Maria
parou de misturar as palavras mas permaneceu agarrada à caixa de plasticinas por
abrir. Sorria ligeiramente com a alegria de quem repetia o gato que todos os
dias espreitava pela janela. Afinal era uma gata e tinha três cores. Branco,
cor de laranja, cor de burro quando foge.
A gata voltou. Todos vieram
dar-lhe uma festa nos cabelos. O médico também. Tentaram sorrir.
Juvita Maria morreu
cedo. Era manhã dentro, finda nas horas.
jef, setembro 2016