Caríssima,
saberás que a medida da
tua singularidade, corrijo, da tua suavidade, está na estrutura da superfície
que te contém? Lisa e quente quando o Sol a toca, esmorecendo em gradiente
ligeiro quando o dia desce e a água que passa lhe vai bebendo o calor em cedências
breves e oscilações, na perspectiva das algas, da barbatana ardente do escalo, da
aresta doce do quartzito.
O que te reveste pode
serenar pela noite, esfriar até por trocas de temperatura com as estrelas, não
haja nuvens a toldar o tacto do olhar, mas contém tudo o que o interior de uma
pedra pode reter, corrijo, deve conter. A unidade razoável do sentimento. A
sílica do róseo feldspato transmite tal decência sem te prender à fria
conclusão do mármore.
E como deves compreender,
as estátuas por princípio, corrijo, as estátuas em conclusão, são para sempre
frias, estão mortas e apenas andam a ser esculpidas pelo tempo. Sábias palavras
já antes e muito melhor o disseram.
Apenas tento dizer que essa
superfície amena reflecte o istmo do teu coração. Nada te esconde como nada se
esconde. Somente um veio de serpentina férrea, talvez a artéria de óxido de
cobre que te dá segredo, o sal que todas as pedras merecem. Mas não é por tal
clivagem que quebrarás, te farás em duas, rolando mais breve até ao sentido do
mar. O teu centro é a tua pele. Assim te confirmas, segura entre os cristais
que o fogo desaparecido fez imergir no cerne rochoso.
E no remanso do teu
contorno se depositarão ovos dos peixes, ou larvas odonatas que saltarão atmosfera
fora, mais tarde, em voos de libélula. Ele é o futuro da água que, por
evaporação, será o futuro do ar. A minha respiração.
Querida pedra,
desejo-te, assim, o eterno
bem. E se, um dia, regressares ao oceano e às suas areias abissais, se o olhar
não te puder mais acompanhar, ou a leviana ingratidão da memória fluir sobre a
metamorfose do xisto, envia uma notícia. Coisa simples. Um traço na ardósia.
Fica por esta a saber
que sempre serei
o teu
rio.
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