É difícil dizer mal de «Os Belos Dias de Aranjuez», a peça de
teatro que Peter Handke escreveu e que Wim Wenders realizou venerando a amizade
que o une ao escritor de «A Angústia do Guarda-redes Antes do Penalty» (1970)
que dois anos mais tarde Wim Wenders vem filmar.
Por outro lado, este filme deixa uma sensação de
incompletude, de suspensão da acção presente sobre as histórias recordadas, de
ausência de palavras (e aqui só há palavras, em campo contracampo e com a câmara
a rodar suavemente sobre os rostos destacados da folhagem do jardim pela técnica
das três dimensões).
Mas falta aqui qualquer coisa.
Também temos um inicial «Perfect Day» de Lou Reed a soar
sobre os céus tranquilos de Paris e um quase conclusivo «Into My Arms» que vem
da jukebox para o piano de Nick Cave.
Um cão em fuga derivando na floresta, tal como o escritor que antes escutava a
voz em diálogo dos seus protagonistas. Uma mesa com uma maçã em repouso e duas
cadeiras, minúscula réplica do cenário essencial do filme. Coisa esteticamente
perfeita, insubmissa e desconcertante, tal como faria Tarkovksy. Tal como vão
fazendo as palavras narradas, a plena insatisfação do amante quando recorda um
passado que talvez não mereça tanta memória. Uma «cabana de lavrador» perdida numa
paisagem inventada. Uma paisagem que se desejava recriada, duplamente imaginada.
No entanto, a este filme talvez falte o deslumbrante isolamento
do guarda-redes face à premente expectativa.
Talvez falte qualquer coisa. Não sei…
Mas não será essa mesma angústia nostálgica que transborda de «Alice nas Cidades» (1974), «Ao Correr
do Tempo» (1976), «O Estado das Coisas» (1982), «Paris Texas» (1984), «As Asas
do Desejo» (1987)?
Continuará Peter Handke a cuidar do jardim de Wim Wenders e
este a ceder a imagem a uma solidão tão absoluta quanto estética?
jef, dezembro 2016
«Os Belos Dias de Aranjuez» (Les Beaux Jours d'Aranjuez) de
Wim Wenders. Com Reda Kateb, Sophie Semin, Jens Harzer, Nick Cave, Peter
Handke. Portugal / Alemanha / França, 2016, Cores, 97 min.