sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Caderno de Significados












Caderno de Significados

É por demais evidente que
fazer fosquinhas
é uma expressão impressionante.
Porém,
num grande estardalhaço,
não é menos.

jef, setembro 2017

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Sobre a exposição «Carlos de Oliveira: a parte submersa do iceberg». 18 de Março – 29 de Outubro, 2017. Museu do Neo-Realismo. Vila Franca de Xira. Curadoria de Osvaldo Silvestre.


















Interessante o uso do texto «O Iceberg» (em «O Aprendiz de Feiticeiro») para definir esse estrato estético que une e resume a obra de Carlos de Oliveira.
Fala-se aí de tudo o que ficou por viver, por divulgar, por comunicar, a poeira imensa e submersa, um passado ofendido pelo fascismo, extinto, irrecuperável. E de um lado visível e presente do gelo que, por somítico e frágil, jamais fará jus à ilusão da criatividade por cumprir.
A curta obra de Carlos de Oliveira torna-se paradoxo face à imagem do oceano gelado. Porém, uma obra que traz o lastro incessante do apuro da linguagem, quantas vezes angustiado, que sempre o autor foi refazendo e corrigindo, de edição para edição, todas seleccionadas entre a beleza da forma para que salientasse a ideia poética. Edições de colecção, digamos.
Essa antítese de estilos está formalmente editada no pequeníssimo Micro-Dicionário de Carlos de Oliveira. Na entrada para «caruncho» lê-se:
«É o ruído de fundo que vem da madeira dos móveis no quarto, assinalando o triunfo da devastação, por vezes de um assustador próximo do gótico.»
Uma discreta micro-ideia que dá o mote à exploração de uma obra maior.

A ideia poética em Carlos de Oliveira, nessa vertente de constante luta pelo apuro da obra e pela necessária liberdade criativa é, obviamente, política, aproximando-se da índole de José Cardoso Pires. Carlos de Oliveira (e José Cardoso Pires) foi sempre esculpindo o imenso iceberg da perfeição e da beleza.

Essa ausência de tempo afasta Carlos de Oliveira do Neo-realismo e o devolve ao sentido de um espaço universal.


jef, setembro 2017

«Porta

A porta que se fecha
inesperadamente na distância
e assusta o romancista
que descreve o seu quarto de criança
(é difícil dizer
se os velhos arquitectos
que punham tanto amor
na construção do quarto
teriam ponderado com rigor
a escala deste som
e o espaço coagulado
ao fundo do corredor)
a porta que se fecha no passado
sobressaltando a escrita e o escritor.»

in «Sobre o Lado Esquerdo / Trabalho Poético» Assírio & Alvim, 1967 / 2003.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Sobre o filme «Arranha-Céus» de Ben Wheatley, 2015















O Dr. Robert Laing (Tom Hiddleston) ascende, cheio de traumas do passado, aos andares superiores de um edifício-estado imaginado por um arquitecto em estado de desgraça (Jeremy Irons). Foge ele dos andares inferiores onde a média burguesia vive, carente e decadente. O fim da história não tem fim quando começam os cortes de energia.

De Londres o filme pouco tem… De arquitectura distópica ainda menos… Da produção sentida e rigorosa que me faz ir ao cinema por ser «inglesa», nada! Parece uma comédia do burlesco com belos adereços e carros que saem dos anos 70 do século passado. Porém, uma comédia sem graça que brinca com os estereótipos dessa época, tanto humanos e sociais como estéticos e cinéfilos!

É um pouco triste convocar e ao mesmo tempo aviltar a grata imagem que trago memorizada e, por isso, sempre refeita, de «Weekend» de Jean-Luc Godard (1967); «Laranja Mecânica» de Stanley Kubrick (1971); «A Aventura do Poseídon» de Ronald Neame (1972); «A Grande Farra» de Marco Ferreri (1973) ou «Underground» de Emir Kusturica (1995).

Recordo ainda J. G. Ballard, de onde vem o argumento, mas o de «O Império do Sol» de Steven Spielberg (1987) ou «Crash» de David Cronenberg (1996).

Por que foi necessário esperar dois anos para exibi-lo nas salas de cinema, em Portugal?

jef, setembro 2017

«Arranha-Céus» (High-Rise) de Ben Wheatley. Com Tom Hiddleston, Jeremy Irons, Sienna Miller, Luke Evans, Elisabeth Moss. Reino Unido, Bélgica, 2015, Cores, 119 min.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Sobre o filme «A Fábrica de Nada» de Pedro Pinho, 2017.















Quem não vir este filme fica sem saber de que é feito o País.
É estranho e belo. Diria, estranhamente triste mas amável com o que aí vem, apesar de falar do passado e do presente de Portugal, da crise, do capitalismo, da falta de trabalho, de dinheiro ou da sua ausência, da mais-valia que só os homens conseguem descobrir na matéria-prima, das máquinas que substituem aqueles mas acabam por não lhes restituir o tal valor acrescentado. Apesar de falar do fim da autogestão por parte dos trabalhadores e, consequentemente, do fim de uma ideia fixada no tempo sobre um antigo 25 de Abril. Este filme não é piegas!
É áspero e vital mas também, repito, amoroso e realista, como «A Terra –Torre Bela» de Thomas Harlan (1977) ou «César Deve Morrer» de Paolo e Vittorio Taviani (2012). Como alguns filmes de Fernando Lopes e mais recentemente os de Miguel Gomes.
É uma dessas obras descobertas pelos recantos encantados, inteligentes e ternos que o Cinema Português sempre esconde.
Mesmo que tudo pareça estranho: a) A Póvoa de Santa Iria e o Tejo; b) a realização de Pedro Pinho coadjuvado por Luísa Homem, Leonor Noivo, Tiago Hespanha, Susana Nobre, João Matos, provocando um documentário sobre a autogestão de uma fábrica de elevadores reais – a Fortleva; c) a ideia original abandonada por Jorge Silva Melo sobre uma peça de Judith Herzberg; d) a produção em colectivo da Terratreme Filmes; e) a tragédia social que, afinal, é uma comédia musical, tão simples e clarividente, com bailado e cantoria dos operários e um punk desabrido com cuspo, suor e “stage diving”, d) afinal, o amor e o romantismo subliminares.
Sim, um filme sobre tudo e sobre a tal autogestão que se transforma na sua própria autocrítica. 
«A Fábrica de Nada» é essencialmente político, paradoxalmente juvenil, com a imagem do futuro para cartaz promocional.

jef, setembro 2017

«A Fábrica de Nada» de Pedro Pinho. Com José Smith Vargas, Carla Galvão, Njamy Sebastião, Joaquim Bichana Martins, Dinis Gomes, Américo Silva. Edição de Pedro Pinho, Luísa Homem, Leonor Noivo, Tiago Hespanha, Susana Nobre, João Matos. Ideia de Jorge Silva Melo sobre a peça de Judith Herzberg Portugal, Cores, 177 min.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Sobre o filme «Una - Negra Sedução» de Benedict Andrews, 2016















O melhor do filme é mesmo o que lhe virá da peça de teatro «Blackbird» de David Harrower. O tempo distendido e cenografia ampla, debruada a vermelho, construída no interior de um angar-armazém de distribuição de correspondência postal.
Dentro deste, numa cápsula envidraçada a servir de cantina, Una (Rooney Mara) confronta Ray (Ben Mendelsohn) pelo trauma que a transtorna há 15 anos. Tinha ela 13 e era seduzida por Ray, (agora Peter após quatro anos a cumprir pena por abuso de menores), um vizinho adulto próximo e consciente do que significava ser seduzido e seduzir.
O filme, construído por flasbacks fortes e luminosos, faz sobressair os dotes dramáticos da jovem actriz Ruby Stokes (Una adolescente) num espaço igualmente distendido pelos arcos musicais de Jed Kurzel, mas que não retira a estranheza da escolha de Rooney Mara para actriz principal. Uma cara juvenil e torturada, embora estática, que bem podia ser a jovem Una década e meia depois, mas onde falta a plasticidade dramática que a história promete e a realidade exigiria. Devia a actriz ter carisma e pulso para persuadir o espectador da tensão que se cumula à sua volta e que explode na festa que Peter havia organizado com a sua mulher Yvonne (Natasha Little).
No interior do climax, Natasha Little é extraordinária nas poucas cenas que lhe concedem – a incompreensão do seu passado oculto e a compreensão de um futuro que em breve terminará, ao observar Una e Peter-Ray a despedirem-se para sempre.
Nas cenas finais, uma espécie de iluminação da arte dramática.

jef, agosto 2017

«Una – Negra Sedução» de Benedict Andrews (Una). Com Rooney Mara, Ben Mendelsohn, Ruby Stokes, David Shields, Riz Ahmed, Ruby Stokes, Tara Fitzgerald, Natasha Little e Tobias Menzies. EUA / Canadá / Grã-Bretanha, 2016, Cores, 94 min.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

São os rios












Alcantilados vão os becos da cidade.
Sinuosos os desfiladeiros, fragas, janelas, derivando na verticalidade das cegonhas negras e dos abutres do Egipto.
Águas fundas, finas, pegos e sargetas, ecoando risos ou gritos de alerta, que as crias são já visíveis no ninho ou jogam à bola, lá em baixo, pela rua.
Tudo tão perto e intangível como os carrascos que crescem no abismo do xisto ou o feto que se cravou, esporo ainda, no algeroz. Azulejos ou rochas luzidias. Pensamentos parcos de coisa alguma, sem razão magmática, mesmo assim, existentes.
O rio anda cravado nessa rua que vai fluindo de degrau em degrau, afluentes de certa alma, urbana porque anseia o poiso de um voo cansado, silvestre porque ainda não o encontrou.


jef, setembro 2017

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Dúvida sistemática













Enquanto preparava o polme das pataniscas, três colheres de farinha, avantajadas, um ovo inteiro, leite quanto baste, pois só no fritar a gente se entende, apenas três colheres que agora era só, o Augusto tinha-se passado dali no último Inverno como diziam as séries americanas, a D. Fátima perguntou ao Liru, o papagaio, que ia disfarçando, bico quase calado, a entoar desalmadamente as cinco primeiras notas do Ó Rosa arredonda a saia:
«Mas afinal qual é a verdadeira diferença entre o erro e o engano?»


jef, setembro 2017

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Sobre o disco «American Dream» de LCD Soundsystem. DFA / Excelsior Equity Management of NY, LLC / Columbia / Sony, 2017

















Para onde vai a música de dança depois do fim dos LCD Soundsystem? Felizmente temos um Emotional Haircut. A nona faixa.
Avancemos!

Com que então aquele último, magnético, suado, extraordinário e extravasante concerto que eles deram a 2 de Abril de 2011 no Madison Square Garden, por Nova Iorque, não era mesmo o último? Agora um novo álbum denso, programático, celeste, entre o pós-hipster e o pop-punk? 

Em que é que que ficamos? O fim recomeça algures noutra entidade? Não me parece. O ente reencarnou em si próprio mais livre, mais libertador!

Afinal, James Murphy não deprimiu de vez e prosseguiu com a saga tentando dar a entender para onde a pop electrónica nos vai levar: LCD Soundsystem (2005), Sound of Silver (2007), This Is Happening (2010)… Agora, American Dream (2017).

Uma enorme manobra de diversão. Porque este é um disco pop a sério. À antiga. Quando a música tinha o corpo do futuro. A pop da desistência e da resistência, da procura e do caminho. Do desamor e do desalinho. Da música e da sua escrita. Do estar certo no país errado e correr direito pelas linhas tortas. E depois e apesar de tudo, dançar! Subtil e duro. Obsessivo e lírico. Monolítico e emblemático. Cantante e plural. Tribal e inteligente. Vivo e infantil. Universal e sinfónico. Ri-se do que lhe ficou para trás mas não desdenha os risos e as lágrimas que a memória lhe acarreta.

The «Americam Dream»!… but «Make America Great Again!»

Que grande disco a recordar todos os meus sons mais queridos (Talking Heads, David Byrne, Brian Eno, Jon Hassell, Joy Divison, Morrissey, U2, Pulp, The Cure, Beck Hansen… até Portishead ou Young Marble Giants ou Pet Shop Boys ou Depeche Mode… ou mesmo «Vogue» de Madonna). Até a capa me recorda um dos álbuns da minha eterna emoção: «Jaurès - Les Marquises», Jacques Brel, 1977.

Disco confuso e esclarecedor que ficará a soar, ou a ressoar, nos meus tímpanos, no meu córtex, no meu conhecimento, no meu estremecimento, nos meus passos (de dança). Um dos discos do ano!


jef, setembro 2017

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Sobre o filme «O Meu Nome é Michael» de Justin Kelly, 2017















Não fosse interpretado por James Franco e produzido por Gus Van Sant.  Não tivesse a realização de Justin Kelly um fito político, e este filme levaria o epíteto: «Isto mesmo só podia acontecer na América!!».
Não tivesse a epígrafe: «baseado em factos verídicos».
Michael Glatze (James Franco) activo militante dos direitos dos homossexuais no bairro de Castro em São Francisco, após uma crise de ansiedade por medo de doença e morte súbita, vira-se para Deus. Descobre que Este rejeita a homossexualidade, considerando-a errada e imoral. Glatze torna-se heterossexual, casa-se com uma devota rapariga e, como continua a desejar auxiliar os seus semelhantes, funda uma seita anglicana, com igreja e tudo, para ajudar a levar pelo bom caminho os jovens com dúvidas sobre a sua sexualidade.
Dito assim até parece uma comédia, e até o poderia ser caso o filme fosse ficcional. Contudo, a realização é justa tendo o papel de James Franco o condão de expor as fraquezas de uma concepção do mundo ao sabor das vicissitudes condicionantes do corpo e da mente sem crucificar, apesar de tudo, o protagonista.
«O Meu Nome é Michael» é um filme biográfico, conciso, sem grandes voos narrativos, para não confundir a já perturbada, mas convicta, personalidade em causa, aprofundando o seu carácter dramático à medida que a espiritualidade, em certo sentido agressiva, vai ficando espelhada no ecrã. Mérito, acima de tudo, de James Franco.
Um filme que vai adensando um determinado «corpo» na em medida que nos tenta demonstrar que a religiosidade, tal como a sexualidade ou o medo da morte, é também matéria psicossomática.

jef, agosto 2017


«O Meu Nome é Michael» (I Am Michael) de Justin Kelly. Com James Franco, Zachary Quinto, Emma Roberts, Charlie Carver. EUA, 2017, Cores, 98 min.