terça-feira, 31 de agosto de 2021

Sobre o filme «A Aventura» de Michelangelo Antonioni, 1960.



















«A Aventura» condensa todo o dicionário do olhar em Antonioni. Vemos este filme como se estivemos a ler Roland Barthes ou John Berger e a identificar a imagem que, a cada olhar (cada silêncio ou cada badalada de um sino), nos atrai e nos faz progredir emocionalmente na história.

E nesta, todos os personagens estão confinados numa ilha, num certo encantamento ou desespero. Todos aguardam, todos procuram, todos tentam encontrar um esconderijo, fugir. Mas ninguém parece encontrar alguém ou encontrar-se a si mesmo. Apenas Anna (Lea Massari), a fugitiva, é eficaz! Sandro (Gabriele Ferzetti) foge do passado de arquitecto frustrado e Claudia (Monica Vitti) da velha amizade com Anna, que a persegue como um espectro funesto tal como o olhar ávido das dezenas de homens sicilianos que a envolvem. Sandro e Claudia tentam amar-se ou amam-se verdadeiramente? No final, a mão sobre o ombro e as lágrimas não são totalmente elucidativas. Apenas estão contidas numa das cenas mais comoventes realizadas por Antonioni. Afinal, todos continuam sitiados e uma ilha é um espaço mais do que dramático, inexorável.

Tão importante na vida é o medo como o perigo, a luz como a arquitectura.

Mais forte que a presença, é a ausência.

Mais importante que a procura, é a fuga.

Mais forte que o amor, é o perdão.

Mais importante que a palavra dita ou escutada, é a imagem que fica cativa no olhar.

Assim dita a lei da beleza e da semiótica de Antonioni!


jef, agosto 2021

«A Aventura» (L’Avventura) de Michelangelo Antonioni. Com Monica Vitti, Gabriele Ferzetti, Lea Massari, Dominique Blanchar, Renzo Ricci, James Addams, Dorothy De Poliolo, Lelio Luttazzi, Giovanni Petrucci, Esmeralda Ruspoli, Enrico Bologna, Franco Cimino, Giovanni Danesi. Argumento: Michelangelo Antonioni, Elio Bartolini e Tonino Guerra. Produção: Amato Pennasilico. Fotografia: Aldo Scavarda. Música: Giovanni Fusco. Guarda-roupa: Adriana Berselli. Itália / França, 1960, P/B, 132 min.


segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Sobre o filme «O Deserto Vermelho» de Michelangelo Antonioni, 1964

 




































Após a trilogia do silêncio («A Aventura» 1960, «A Noite»1961 e «O Eclipse» 1962), Antonioni entrega-se à cor e a um mundo sem sombras. Entrega, ainda, a Monica Vitti (Giuliana) a insegurança, porque não demência, de um mundo tecnológico e industrial, de cores absurdamente por saturar, onde não há espaço para o refúgio, onde as enguias sabem a petróleo, as escórias cobrem de negro viscoso os planos naturais e o nevoeiro tolda a visão até que esta apenas se faça através da desfocagem.

                              «– Mas o querem eles que eu faça com os meus olhos?

                              O que devem eles guardar?

–Tu dizes: Que devo guardar? Eu digo: Como devo viver? É a mesma coisa.»

A obsessão em definir o olhar é permanente em Antonioni. Por isso ele altera as sequências narrativas, por isso também desfoca o centro do campo de visão e sobrepõe a música electrónica de Vittorio Gelmetti para que o olhos não se habituem ao habitual. Estranhem, entranhem (como dizia o outro).

Nunca Monica Vitti esteve tão próxima (dentro) da solidão, a léguas de um olhar, ainda mais distante de um beijo.

Nunca o impulso sexual esteve tão íntimo, tão fragmentado e reprimido como nas cenas dentro da barraca vermelha do porto. Nunca a história que Giuliana conta ao pequenino Valerio doente se avizinha tanto de um sonho silencioso e quimérico. Impossível. Em seu redor forma-se uma parede ruidosa e industrial, vigilante, de greves e trabalho deslocado, onde os robôs da Meccano e os giroscópios vigiam o sono e subtraem a privacidade.

Nunca a tentativa de beijo de Corrado (Richard Harris) foi tão inglória e casta. E a recusa de Giuliana, tão arrasadora, angustiante e, simultaneamente, tão débil.

A ausência de sombras neste filme retira a possibilidade de nos escondermos. A presença do nevoeiro e do fumo impede o nosso olhar de verificar o sentido do amor.

E a cor neste filme é coisa soberba e extravagante!


jef, agosto 2021

«O Deserto Vermelho» (Il Deserto Rosso) de Michelangelo Antonioni. Com Monica Vitti, Richard Harris, Carlo Chionetti, Xenia Valderi, Rita Renoir, Lili Rheims, Aldo Grotti Valerio Bartoleschi, Emanuela Pala Carboni, Bruno Borghi, Beppe Conti, Giulio Cotignoli, Giovanni Lolli. Argumento: Michelangelo Antonioni e Tonino Guerra. Produção: Tonino Cervi e Angelo Rizzoli. Fotografia: Carlo Di Palma. Música: Giovanni Fusco e Vittorio Gelmetti (electrónica), Cecilia Fusco. Som: Mario Bramonti, Renato Cadueri, Claudio Maielli. Itália / França, 1964, Cores, 117 min.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Sobre o filme «Identificação de Uma Mulher» de Michelangelo Antonioni, 1982























Antonioni tem uma característica única: deixa sempre o espectador em estado de alerta, num certo estado de intranquilidade. E tal estado de vigília não é certamente pela história que é, neste caso, até parece fácil de contar. Niccolò Farra (Tomas Milian), realizador de cinema e divorciado, anda à procura de substância, de rostos e corpos que preencham o argumento de um filme mas, tal como nesse filme cuja história se lhe escapa, as suas relações com Mavi (Daniela Silverio) e Ida (Christine Boisson) chegam inevitavelmente a um beco sem saída.

Contudo, aqui, tudo parece simbólico e obsessivo, em constante estado de fuga iminente. Niccolò, no início, rasteja pela própria casa deserta tentando escapar ao alarme do qual se esqueceu do código. Recebe ameaças telefónicas mal identificadas para que se afaste de Mavi mas será ela que desaparecerá sem explicação, depois de uma cena de pânico dentro de um amedrontador banco de nevoeiro. Ida também desaparecerá após um passeio na triste e solitária lagoa de Veneza, dizendo-lhe que está grávida, não dele, que Niccolò pode ser tudo para ela mas não uma prioridade. Afinal, a solução está escondida num selo que o pequeno sobrinho descobre numa caixa, com os feitos heroicos da astronáutica soviética.

Só que toda a história é contada em sobressaltos maravilhosamente estéticos, em puro suspense dramático onde os flashbacks e os longos silêncios, a tensão erótica dos planos, os vértices ou as curvas das escadas, o enquadramento das janelas, surgem por vezes de modo anacrónico, como num policial de tom psicanalítico ou num romance em devaneio onírico e alienado.

Existe uma intuição de pintor que faz Antonioni desviar-se sistematicamente da profundidade da intriga para mostrar como é tão importante, talvez mesmo mais eloquente, a superfície que existe num olhar simples.


jef, agosto 2021

«Identificação de Uma Mulher» (Identificazione di una Donna) de Michelangelo Antonioni. Com Tomas Milian, Daniela Silverio, Christine Boisson, Lara Wendel, Veronica Lazar, Enrica Antonioni, Sandra Monteleoni, Marcel Bozzuffi, Giampaolo Saccarola, Dado Ruspoli, Arianna De Rosa, Sergio Tardioli, Itaco Nardulli. Argumento: Michelangelo Antonioni, Gérard Brach, Tonino Guerra, segundo uma história de M.A.. Produção: Antonio Macri e Giorgio Nocella. Fotografia: Carlo Di Palma. Música: John Foxx. Itália, 1982, Cores, 130 min.

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Sobre o filme «Frankie» de Ira Sachs, 2019





















Fico sempre com a sensação que o realizador Ira Sachs deseja sempre mais de um filme do que depois acaba por concretizar. Aconteceu-me isso em «Homenzinhos» (2017) e «O Amor É Uma Coisa Estranha» (2014). Lança-se sobre argumentos prometedores, cenários bem idealizados, actores de excepção, diálogos convincentes mas, no final, fica tudo a saber a pouco. Tanto barulho por nada, já lá dizia o outro.

Aqui, a personagem principal é a vila e os arredores de Sintra. Deslumbrante, como ela é. No seu centro coloca um outro deslumbramento: Isabelle Huppert, essa actriz maior dos papéis transviados, fracturantes, dolorosos. Aqui ela é Frankie, uma actriz de sucesso, carreira bem cimentada mas com um final para breve, diagnosticado. No nevoeiro de Sintra, resolve chamar a família, a directa e a indirecta, para subirem até à Peninha e discutirem qualquer coisa como futuros por adiar e espólios por partilhar. Sem dúvida, a actriz é deslumbrante nesse seu lado de ser uma matriarca frágil mas de aço, destroçada mas mesmo assim dominadora. Contudo as personagens, no início, começam por se atropelar e eu fiquei baralhado com tanto parentesco e só assentei dentro do filme quando aparece a maravilhosa Marisa Tomei (Ilene), de ténis e cara lavada, ao receber uma inesperada proposta de casamento de Gary (Greg Kinnear). (Ela é melhor personagem do filme!) Não sei como a minha atenção deixou de estar presa a Isabelle Huppert e passou para Marisa Tomei. Erro meu ou talvez essa distracção voyeurista de olhar Sintra pelo lado turístico do cinema. Talvez alguma sonolência também…

Também as personagens são densas e bem arquitectadas, como Jimmy (Brendan Gleeson) ou Michel (Pascal Greggory), primeiro marido de Frankie. 

E Frankie obriga o filme a vergar-se perante a sua presença polarizadora. Sabe bem ver Sintra nas garras de Isabelle Huppert.

Só que Ira Sachs parece não ter garras para elas!

 

jef, agosto 2021

«Frankie» de Ira Sachs. Com Isabelle Huppert, Brendan Gleeson, Sennia Nanua, Marisa Tomei, Ariyon Bakare, Pascal Greggory, Vinette Robinson, Jérémie Renier, Greg Kinnear, Carloto Cotta, Márcia Breia, Manuel Sá Nogueira. Argumento: Ira Sachs e Mauricio Zacharias. Produção: Saïd Ben Saïd e Michel Merkt. Fotografia: Rui Poças. Música: Dickon Hinchliffe. França / Portugal, 2019, Cores, 99 min.

 

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Sobre o filme «O Joelho de Claire» de Éric Rohmer, 1970























Jérôme (Jean-Claude Brialy) vai até ao lago Annecy, perto da fronteira com a Suiça, para vender a sua casa de família. É diplomata e não tarda casar-se-á e ficará livre para se entregar a todas as mulheres sem que a libido lhe transtorne o desejo. Assim explica à sua amiga romancista Aurore (Aurora Cornu), que encontra ocasionalmente, e que lhe narra quanto apreço tem ela pela sua actual solidão, podendo apreciar todos os homens sem se entregar a eles verdadeiramente. Nesse aspecto, estão irmanados. Ela propõem-lhe um jogo para que seja encontrado o enredo para o seu próximo livro. Ele será a cobaia e dever-lhe-á contar tudo. Ali perto, Laura (Béatrice Romand), uma jovem de 16 anos em férias, está por ele apaixonada. Em breve, chegará também Claire, a irmã emprestada daquela, portadora do que virá a ser o objecto de uma quimérica carícia movida mais pelo voluntarioso desafio do que pelo libidinoso desejo.

Este talvez seja o mais famoso filme de Éric Rohmer, talvez aquele em que «O Conto Moral» atinja o grau mais elevado de distanciamento sexual e provoque a mais silenciosa capacidade voyeurista na filosofia amorosa. Olhando de fora: será que desejamos com autenticidade, pretendemos desejar ou vestimos o desejo com as roupas de um simulacro de vocação, da castidade de um gesto proibido, de um olhar escondido, de uma proximidade não consumada?


jef, agosto 2021

«O Joelho de Claire» (Le Genou de Claire) de Éric Rohmer. Com Jean-Claude Brialy, Aurora Cornu, Béatrice Romand, Laurence de Monaghan, Michèle Montel, Gérard Falconetti, Fabrice Luchini, Sandra Franchina. Argumento: Éric Rohmer. Produção: Pierre Cottrell e Barbet Schroeder. Fotografia: Néstor Almendros. França, 1970, Cores, 101 min.

 

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Sobre o filme «O Signo do Leão» de Éric Rohmer, 1959
































Este parece ser o início de uma longa cruzada de Éric Rohmer na criação da sua enciclopédia sobre a imoral moralidade dos factos comuns da vida, sobre o que pode ser lido e treslido no dia-a-dia de cada um.

O filme é de uma simplicidade imensa e de um humor trágico maior, sob a produção de Claude Chabrol, sob os céus de Paris, sob os acordes do violino de Louis Saguer que, afinal, deviam ser a sonata sonhada por Pierre Wesselrin (Jess Hahn), o músico americano que desperta do seu parisiense sonho musical para receber um telegrama onde está escrito que acaba de receber uma fortuna incalculável de herança por parte de uma tia morta.

A alegria e os amigos são inúmeros e Paris é a mais bela cidade do mundo coberta pelo magnífico firmamento que oferece o brilho à Île Saint-Louis, à Rive Gauche, à Notre-Dame, ao Sena e às Pont Neuf e Pont Neuilly, ao Café de Flore. Porém, o mais belo Verão pode trazer com ele a solidão a uma cidade que foge para o litoral e com ela as reviravoltas de um destino que Éric Rohmer vai escalpelizando ponto por ponto, passo por passo, atrás da imponente figura, resistente e digna, do actor Jess Hahn. A vida troca-lhe as voltas, Paris oferece-lhas as muralhas construídas pelas pedras mais inexpugnáveis do universo. Pierre Wesselrin pode procurar comida no lixo ou atar os sapatos com cordéis mas não se rebaixa. A estrela mais forte da constelação de Leão-Rohmer olhará por ele.

Ao longo do filme lembrei-me de Charlot, de «Sem Eira Nem Beira» de Agnès Varda (1985), de «Ladrões de Bicicletas» (1948) e «Milagre em Milão» (1951) de Vittorio De Sica, de La Bohème… Mas Éric Rohmer não quer mostrar a tragédia mas a surpreendente construção urbana e a legítima modernidade que a sustenta e também a redime. Éric Rohmer quer salvar Pierre Wesselrin. E o actor Jess Hahn salvará a cidade.

Nunca Paris foi tão bela, nunca os incautos figurantes parisienses provocaram uma encenação tão solidária e tão solitária. Nunca o amor terá parecido tão feérico mas tão distante.

 

jef, agosto 2021

«O Signo do Leão» (Le Signe du Lion) de Éric Rohmer. Com Jess Hahn, Michèle Girardon, Van Doude, Paul Bisciglia, Gilbert Edardt Christian Alers, Paul Crauchet, Jill Olivier, Sophie Perrault, Stéphane Audran, Jean Le Poulain. Argumento: Éric Rohmer, com diálogos de Paul Gégauff. Produção: Claude Chabrol e Roland Nonin. Fotografia: Nicolas Hayer. Música: Louis Saguer. França, 1969, P/B, 103 min.

domingo, 15 de agosto de 2021

Sobre o livro «Flores da Praia à Serra de Tavira» de José A.O. Filipe, Câmara Municipal de Tavira, 2020.





















































Talvez o livro demonstre e defina a antiquíssima atracção ética que a botânica exerce sobre o ser humano. Muito mais do que a alma aristotélica dos animais, essa “anima” que os faz movimentar e concorrer em animação com o bicho-homem, a permanência e imobilismo vegetais, o seu primeiro sustento e o eterno círculo biológico ao longo das estações do ano, faz das plantas o espelho do eterno retorno tão caro à filosofia do homem que recusa envelhecer.

É na amável e fundamental ligação com o ente vegetal que se renova, na inevitável proximidade à floração regenerativa, que o coração da lente fotográfica de José Filipe se entrega. Uma espécie de ligação íntima, amorável e macroscópica que nos expõe a raiz do entendimento do universo vegetal que vai percorrendo as dunas e o sapal, ultrapassa areias e curvas de nível, atingindo o barrocal e a serra de Tavira.

Caso não fossem expostas explicações sumárias ao longo do texto, ou circunstanciais glossários e listas de espécies, não entenderíamos tão bem a ligação geográfica e edafo-climática entre aquelas espécies e o meio que as sustenta. Ideias fortes vindas do profundo conhecimento que o autor tem do terreno. Mas, pelo contrário, caso o livro tivesse a pretensão de compêndio botânico exaustivo, deixaria para o pó das bibliotecas o enlevo estético, poder-se-ia dizer quase romântico, que o livro nos oferece.

É esse conhecimento pela estética, coisa que só ao humano é dado adquirir, e a que José Filipe está particularmente atento, que demonstra e define todo o amor pela botânica contido no mundo vegetal de Tavira. Um mundo grande e pequeno que assenta num simples olhar, num sentimento único.


jef, agosto 2021

Sobre o filme «A Minha Noite em Casa de Maud» de Éric Rohmer, 1969

























Apesar do filme não ter música, parece uma comédia densa daquelas do Woddy Allen, onde a seriedade do personagem principal é inevitavelmente colocada em causa pela norma (estatística) dos costumes e valores. É o terceiro capítulo dos Contos Morais.

Jean-Louis (Jean-Louis Trintignant) é um católico renitente, matemático amador na questão probabilística da média em casar com Françoise (Marie-Christine Barrault) ou na esperança ponderada em pecar naquela noite em casa de Maud (Françoise Fabian), e está permanentemente envolvido na própria voz-off com a questão filosófica das palavras anti-ciência-anti-catolicismo de Pascal.

A música está praticamente ausente. Uma sonata para violino e piano de Mozart que une Jean-Louis no concerto ao seu amigo Vidal (Antoine Vitez) que, depois, cederá em acompanhar de volta o amigo na missa do galo, onde os cânticos se ouvem e François tenta encontrar Françoise, a futura noiva auto-prometida.

Como em Woody Allen, tudo é milimetricamente ponderado e construído para que os acasos sejam ostensivos motivos teatrais. Por duas vezes vemos nevar. A primeira, estabelece a união-separação em casa de Maud. A segunda antecede a separação-união com Françoise. Afinal, Vidal não é assim muito amante de Maud. E quem é (ou foi), afinal, o amante de Françoise?

«Eu não sou digno de receber o teu corpo, Senhor, mas basta uma palavra tua para me salvares.», diz-se eucaristicamente na homilia inicial entre os olhares cruzados de Jean-Louis e Françoise. Em média, provém mais a redenção da privação da abstinência ou da provação pela infidelidade?

(E não é que o maravilhoso sorriso libertino de Françoise Fabian me fez lembrar Diane Keaton e a falsa castidade maravilhosa do sorriso de Marie-Christine Barrault me trouxe a memória Mia Farrow?)


jef, agosto 2021

«A Minha Noite em Casa de Maud» (Ma Nuit Chez Maud) de Éric Rohmer. Com Jean-Louis Trintignant, Françoise Fabian, Marie-Christine Barrault, Antoine Vitez, Léonide Kogan, Guy Léger, Anne Dubot. Argumento: Éric Rohmer com diálogos de Antoine Vitez. Produção: Pierre Cottrell e Barbet Schroeder. Fotografia: Néstor Almendros. França, 1969, P/B, 116 min.

 

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Sobre o filme «A Coleccionadora» de Éric Rohmer, 1967






























A história é muito simples. Ou quase nenhuma.

No tédio do Verão no Sul de França, o dândi Adrien (Patrick Bauchau) resolve fazer umas férias saudáveis de levantar cedo e fazer exercício (ligeiro). Lá em casa está o seu amigo, o artista diletante Daniel (Daniel Pommereulle). Mas também Haydée (Haydée Politoff), a jovem de sorriso enigmaticamente adolescente, desinibida, libertária que entre o nada fazer (tal como os seus dois companheiros de férias) vai colecionando namoros. Adrien resolve resistir-lhe por princípio mas o enfado não o deixa sossegado. Nem as obras completas de Rousseau o distraem. Nem o dourado corpo de Haydée. Esta joga a cartada do ciúme com Daniel.

Entretanto, uma preciosíssima e antiquíssima jarra chinesa é quebrada…

Rohmer envolve-se com o grupo de jovens artistas, «o grupo de zanzibar», alguns dos quais vêm a participar no filme, escrevendo-lhe os diálogos e representando-os. No fundo, questionavam o diletantismo e o aborrecimento burguês, a sedução e o poder numa sociedade que parecia não ter saída, uma sociedade que mordia o seu próprio rabo.

O Maio de 68 apressava-se!

Dos contos morais de Éric Rohmer, este é o quarto e aparece-me como o mais inteligente e sarcástico prólogo de “Week-End» de Jean-Luc Godard.

 

jef, agosto 2021

«A Coleccionadora» (La collectionneuse) de Éric Rohmer. Com Patrick Bauchau, Haydée Politoff, Daniel Pommereulle, Seymour Hertzberg, Mijanou, Annick Morice, Denis Berry, Alain Joufroy. Argumento: Éric Rohmer e diálogos de Patrick Bauchau, Haydée Politoff, Daniel Pommereulle. Produção: Georges De Beauregard, Barbet Schroeder. Fotografia: Néstor Almendros. Música: Blossom Toes, Giorgio Gomelsky. França, 1967, Cores, 83 min.