quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Sobre o livro «Morte no Tejo» de Artur Cortez, A Regra do Jogo Edições, Série Negra n.º 11, 1982. Capa de António S.. Posfácio de Manuel Gusmão.




 

                                       Diz a contracapa:

«Escrita no Norte de Moçambique, em plena guerra colonial, é a primeira ficção de um escritor português que depois veio abordar outros temas em vários trabalhos literários. Tentando iludir a realidade violenta em que se encontrava, dedicou-se a recriar e a mostrar um certo submundo de Lisboa.»

É verdade. A Regra do Jogo Edições tinha um plano editorial fora do comum, libertador e refractário. Por lá se lêem Dashiell Hammett, Joe Gores, Vernon Sullivan / Boris Vian, Isabel do Carmo e Fernanda Fráguas, Nuno Júdice, Alberto Pimenta e Artur Cortez.

Afinal, ele é António Modesto Navarro, nascido em Vila Flor, em 1947, político, activista cultural, escritor e fundador da Associação Portuguesa de Escritores. Escreve «Morte no Tejo» em Moçambique (1966) para enganar a guerra e a fome de paz e liberdade. Este seu primeiro romance esperou 16 anos para poder ser lido em letra de imprensa.

É um scherzo, uma brincadeira à Raymond Chandler / Philip Marlowe numa corrida sem pausas por toda a noite de Lisboa, saltando de episódio em episódio, de bar em bar, de cena para cena de pancadaria feroz, onde o detective privado e pugilista frustrado “Diplo” (de Diplomata) dá muito, leva menos e sai sempre fresco, talvez apenas com um ligeiro ferimento provocado por certa bala de raspão. Guia depressa o MG, dorme pouquíssimo, tem lâminas no tacão do sapato, caramelos soporíferos na algibeira, bebe muito rum e deseja os braços e o colo de Linda, o protótipo de noiva, ou os de Laura, a cantora romântica, ou os de Mariana, a empresária de bebidas espirituosas que o contrata para afugentar a concorrência na candonga.

Da Ajuda ao Cais do Sodré, a Sintra, à Costa da Caparica, passando pela Espelunca, pelo Martingala, pelo Beira Gare, pelo Dingo, pelo Estádio do Benfica (para ver o Sporting perder!). «Morte no Tejo» é como um mapa emocional de Lisboa antiquado à custa da devoção da memória e romantizado pela distância de um África em pé de guerra.


Diz, por fim, o «À Maneira de Posfácio» de Manuel Gusmão:

«A surpresa de um policial português vem logo disto: do modo como as regras de género, os procedimentos, os “truques” do “policial negro” funcionam sem sobressalto ao serem transpostos para nomes portugueses, para falas e lugares reconhecíveis, de Lisboa. Assim, encontramos a eficácia narrativa, a agilidade verbal, não só no modo de contar as acções, mas no modo como as personagens, particularmente “Diplo”, “falam”.

 

jef, agosto 2021

 

Sem comentários:

Enviar um comentário