quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Sobre o filme «O Signo do Leão» de Éric Rohmer, 1959
































Este parece ser o início de uma longa cruzada de Éric Rohmer na criação da sua enciclopédia sobre a imoral moralidade dos factos comuns da vida, sobre o que pode ser lido e treslido no dia-a-dia de cada um.

O filme é de uma simplicidade imensa e de um humor trágico maior, sob a produção de Claude Chabrol, sob os céus de Paris, sob os acordes do violino de Louis Saguer que, afinal, deviam ser a sonata sonhada por Pierre Wesselrin (Jess Hahn), o músico americano que desperta do seu parisiense sonho musical para receber um telegrama onde está escrito que acaba de receber uma fortuna incalculável de herança por parte de uma tia morta.

A alegria e os amigos são inúmeros e Paris é a mais bela cidade do mundo coberta pelo magnífico firmamento que oferece o brilho à Île Saint-Louis, à Rive Gauche, à Notre-Dame, ao Sena e às Pont Neuf e Pont Neuilly, ao Café de Flore. Porém, o mais belo Verão pode trazer com ele a solidão a uma cidade que foge para o litoral e com ela as reviravoltas de um destino que Éric Rohmer vai escalpelizando ponto por ponto, passo por passo, atrás da imponente figura, resistente e digna, do actor Jess Hahn. A vida troca-lhe as voltas, Paris oferece-lhas as muralhas construídas pelas pedras mais inexpugnáveis do universo. Pierre Wesselrin pode procurar comida no lixo ou atar os sapatos com cordéis mas não se rebaixa. A estrela mais forte da constelação de Leão-Rohmer olhará por ele.

Ao longo do filme lembrei-me de Charlot, de «Sem Eira Nem Beira» de Agnès Varda (1985), de «Ladrões de Bicicletas» (1948) e «Milagre em Milão» (1951) de Vittorio De Sica, de La Bohème… Mas Éric Rohmer não quer mostrar a tragédia mas a surpreendente construção urbana e a legítima modernidade que a sustenta e também a redime. Éric Rohmer quer salvar Pierre Wesselrin. E o actor Jess Hahn salvará a cidade.

Nunca Paris foi tão bela, nunca os incautos figurantes parisienses provocaram uma encenação tão solidária e tão solitária. Nunca o amor terá parecido tão feérico mas tão distante.

 

jef, agosto 2021

«O Signo do Leão» (Le Signe du Lion) de Éric Rohmer. Com Jess Hahn, Michèle Girardon, Van Doude, Paul Bisciglia, Gilbert Edardt Christian Alers, Paul Crauchet, Jill Olivier, Sophie Perrault, Stéphane Audran, Jean Le Poulain. Argumento: Éric Rohmer, com diálogos de Paul Gégauff. Produção: Claude Chabrol e Roland Nonin. Fotografia: Nicolas Hayer. Música: Louis Saguer. França, 1969, P/B, 103 min.

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