quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Sobre o filme «Lágrimas e Suspiros» de Ingmar Bergman, 1973














O crédito da morte. O débito da vida.
Este filme parte de uma premissa radicalmente simples. A simplicidade com que a morte fundamenta a vida quando esta se conclui. O silêncio que cai sobre a pele que arrefece, sobre as palavras que não foram ditas. Talvez sobre a pele que cobre as próprias palavras. Uma película que, nesses breves momentos (90 minutos de projecção), é rasgada deixando a família sem refúgio, sem presente, sem compreensão. Logo depois, a sociedade reorganiza-se, volta a cimentar a distância, revestindo as palavras com nova pele, novos compromissos, nova hipocrisia. Novos silêncios. A simplicidade deste filme é tão irremediável como a própria morte. O branco, o negro e o vermelho, a separar. A mazurca de Chopin e a sarabanda de Bach, a terminar. O amor, o desamor e o medo, em contratempo e contracampo. A imagem que traz o nosso olhar para perto, infinitamente perto, até ferir, da derme, do grito, do falso sorriso, dos lábios, das mãos, das sombras, da dor. E, por fim, uma cena demasiado simples para não ser dolorosa. Um plano a fechar-se sobre uma página de diário, as quatro mulheres reunidas, um baloiço no parque, um lapso de felicidade. Este é um filme para ser simplesmente sentido, explicá-lo é destruí-lo (como dizia João Bènard da Costa).

jef, fevereiro de 2014
«Lágrimas e Suspiros» (Viskningar Och Rop). Com Harriet Andersson, Liv Ullmann, Ingrid Thulin, Kari Sylwan, Anders Ek, Erland Josephson, Hening Moritzen. Suécia, 1973, Cores, 91 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário