terça-feira, 21 de junho de 2022

Sobre o livro «Praça de Londres» de Lídia Jorge. Dom Quixote, 2008.










São cinco contos situados como sitiadas são as personagens que os percorrem.

No seu característico modo de adensar o espectro ou a aura das personagens, sobretudo as femininas, no interior de situações banais de tão pouca transcendência romanesca, Lídia Jorge entrega-lhes, o corpo da literatura.

Por altura do Natal, uma mulher a braços com a gélida papelada de uma questão judicial observa a ternura entre dois seres. Tenta que a angústia e o desconforto emocional que sente não os persiga, mas não resiste e vai atrás deles. Na Praça de Londres.

Duas mulheres prendem-se irremediavelmente pela bela imagem de uma mala de senhora que as espreita de uma montra de produtos de luxo na Rue du Rhône, em Genève. Não resistem à leveza bravia da pele de um crocodilo da Luisiana que cobre o objecto e a vendedora da loja não desmerece o gabarito profissional.

Maria da Graça não consegue distanciar-se da profissão de gerente de conta de um banco, apesar do ano estar a terminar, também da festa que a aguarda. A Avenida EUA e o Campo Grande começam a tornar-se um deserto habitado por fantasias e fantasmas.

Numa viagem de comboio pelas margens do rio Pó, um homem senta-se frente a uma mulher a quem ajudou a colocar a mala na bagageira. Ele refere: «Mas o que mais interessa é que a partir das primeiras palavras logo nos apercebemos de que tínhamos o essencial em comum – A senhora escreve histórias de cordel, como diz, e eu redijo relatórios criminais, como disse. Sejamos francos, duas actividades geminadas. Desde sempre que andaram juntas, garanto-lhe, e também duas actividades que poderão cair em desuso.»

Por fim (e de uma forma rara na obra de Lídia Jorge), «Perfume» conta a história de iniciação de um rapaz na vida adulta. História agreste de abandono e reencontro, de solidão e consciência de como são importantes mas pouco solidárias as dores de crescimento. «A imprecisão é uma espécie de penumbra onde os vultos que importam ganham a sua merecida luz, com o correr do tempo. Esse momento foi importante porque inaugurou uma era, mas não uma data, não precisa desse luxo de calendário.»

Lídia Jorge é uma escritora que mantém o dogma literário dos seus grandes romances na concisa voracidade das histórias breves.


jef, junho 2022

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