quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Sobre o filme «Technoboss» de João Nicolau, 2019













Este é talvez o filme português mais extraordinário (e inesperado) estreado nos últimos anos. Digo «extraordinário» por sair de todas as regras do cinema e do teatro. Extra-ordinário.

Não há ninguém que não saia do cinema que não tenha a sensação de que esteve fora do enquadramento.

Porém, é um filme que resplandece em ternura. Um filme cheio de carinho, feito de amigos para amigos, nós, espectadores, incluídos. É a vida de um quase reformado Luís Rovisco (o incrível Miguel Lobo Antunes!) que trabalha numa empresa de quase sucesso, especializada em câmaras de vigilância e sistemas de segurança, com trabalho por todo o país, principalmente no Algarve, onde o romance acontecerá.

Ele é divorciado, o carro avaria, o gatinho morre, tem um neto que deve sempre ajudar os pais a pôr a mesa, vive algures, mas é quase infeliz pois ainda acredita na sua quase felicidade e no valor do seu trabalhado.

É uma comédia filmada sempre com um certo grão na imagem e o guarda-roupa, sempre triste. As paredes com infiltrações. A natureza tem palmeiras enfezadas. Ele trabalha com o Teixeira (o extraordinário Américo Silva!). Ele irá encontrar uma antiga paixão, a Lucinda (a maravilhosa Luísa Cruz!). Alguém pode comparar este filme com algumas das comédias de Cottinelli-Telmo ou António Lopes Ribeiro, mas é errado. Nestes, o teatro é assumido como palco real. Em «Technoboss», a comédia é feita por planos cinematográficos sincopados, senão desconexos, onde o estúdio é visível e os rolos com paisagens pintadas vão passando enquanto Luís Rovisco vai fingindo que conduz e vai cantando sempre. Como quem canta no banho. Também o diálogo pode surgir em voz-off, como se fosse pensamento, enquanto as personagens dialogantes apenas se olham.

Luís Rovisco canta com a banda do foyer do hotel. É acordado, em pesadelo, com uma banda de heavy-metal que lhe canta uma canção de embalar. O coro grego fala pela voz de um coro masculino de cante alentejano na recepção do hotel….

Afinal, vai tudo acabar bem numa cena cantada entre lençóis e cumplicidade carinhosa. Mais uma vez, a cancela do parque de estacionamento do hotel ficará a pulsar, avariada, ininterrupta, com o vigor do amor.

jef, novembro 2019

«Technoboss» de João Nicolau. Com Miguel Lobo Antunes, Luísa Cruz, Américo Silva, Sandra Faleiro, Duarte Guimarães, José Raposo. Música: Luís José Martins, Pedro Silva Martins, Norberto Lobo. Portugal, 2019, Cores, 112 min.


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