Este filme é deslumbrante.
Todas as perguntas que fazemos enquanto, poeticamente, as
imagens se sucedem são-nos respondidas minutos depois. Por terceiros. ( «Mas
ela veste-se sempre assim para ir comprar massa?» ) Tudo parece estar fora de
uma ordem vigente, de uma vontade moralmente aceite. Acima de tudo, o Amor. O confinamento exíguo, imbrincado, ombro
com ombro, a tortuosa sequência de portas que se fecham ou se abrem; corredores
estreitos, escadas íngremes, cozinhas enevoadas de vapor e suor, apenas conquistam
o espaço maior da liberdade no interior de uma paixão que será sempre vigiada
pelo pudor das esquinas, pelo rubor das chuvadas assombrosas. As flores
estampadas, as sedas tecidas e os vidros translúcidos, as paredes a esboroar,
uma máquina de cozinhar arroz que ficará sem uso, um bilhete sem resposta. Uma
gravata duplicada, uma mala de senhora que se repete, uma relação extraconjugal
que, no estrangeiro, se pressente consumada. E, na solidão, sentida como
fracasso puro. Por isso, o espectador nunca lhes vislumbra as faces. Uma intimidade
apaixonada que se identifica em planos mais que fechados, quase sobrepostos, ou em sincopados slow-motions. Uma intimidade
que recrudesce nas sombras silenciosas das partituras de Michael Galasso e
Shigeru Umebayashi ou no sotaque latino, mais melancólico que romântico, de Nat
King Cole. Uma solidão e um segredo inelutáveis que, para serem sublimados, devem ser encerrados no interior do tronco oco de uma árvore.
A beleza deste filme é mesmo inesquecível.
jef, dezembro 2020
«Disponível para Amar» (In the Mood for Love) de Wong Kar Wai.
Com Maggie Cheung, Tony Chiu-Wai Leung, Ping Lam Siu, Tung Cho 'Joe' Cheung,
Rebecca Pan, Kelly Lai Chen, Man-Lei Chan, Kam-Wah Koo, Szu-Ying Chien, Paulyn
Sun, Roy Cheung. Argumento: Wong Kar Wai. Fotografia: Christopher
Doyle, Pun-Leung Kwan, Ping Bin Lee. Música: Michael Galasso, Shigeru
Umebayashi. Guarda-roupa:
William Chang. Hong Kong, China, 2020, Cores, 98 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário