Entramos na redacção do jornal «Última Hora» precisamente no interregno
entre o Preâmbulo e o Plenário. Uma nova direcção comercial chega e está
prestes a exigir nova dinâmica digital, notícias mais populares, mesmo que as breaking news sejam fake news oferecendo à concorrência do «Antevisão» o anúncio do suposto presente-futuro
encerramento do «Última Hora». Tudo tem de correr mais rápido, mais
ligeiro e, sobretudo, menos empenhado e com mais despedimentos.
Entramos naquela sala em época de transição. Os tambores das
máquinas de escrever já não tilintam, os computadores já andam por ali mas
ainda se fuma muito e bebe melhor em alegre convívio e até altas horas da noite nos
pubs dos jornalistas. As saudades vão
apertando mas é mesmo preciso dispensar estagiários competentes, angariar influencers da moda, explorar notícias
de sensação mesmo que estas venham nas asas de um drone ou no bico de uma cegonha.
Quem? Como? Porquê? Quando? Onde? E pelo meio da intriga o melhor é mesmo ir apanhar ar com as
mãos, escrever obituários e, acima de tudo, resistir. Escrever ainda crónicas de tribunal,
Levante-se o réu!, mas evitando as imagens sensacionalistas. Ir aos
cenários de guerra às custas do próprio repórter. Ir em busca apenas da verdade
através da razão do coração. Invocar a obra de Adelino Gomes, Joaquim Furtado, (porque
não relembrar a reportagem de Rui Cardoso Martins?). Homenagear o amor pleno entre a actriz Fernanda Alves e o jornalista Ernesto Sampaio.
Ir em busca, finalmente (e neste mundo onde vegetam alarves
como Trumps, Venturas e Bolsonaros), do humor para melhor aprofundar a verdade de
um jornalismo culto e liberto das grilhetas de shares e do suborno dos grupos económicos, sem a qual a Liberdade e
a Democracia não poderão sobreviver.
«Última Hora», um exemplo raro de comédia trágica, comovente, divertida, inteligente, popular e digna de um elenco que cruza diversas
gerações de excelentes actores.
Agora e até ao dia 26 de Fevereiro no D. Maria II on line, o bilhete custa apenas 3,00 euros. Quem não deseja divertir-se com Miguel Guilherme, Maria Rueff, João Grosso e os restantes actores,
conhecer os esconderijos alcoólicos na redacção de um jornal e apoiar a arte de
palco agora dramaticamente abalroada pela ditadura desta pandemia?
jef, fevereiro 2021
«Última Hora» peça em três actos de Rui Cardoso Martins. Encenação:
Gonçalo Amorim. Elenco: Catarina Couto Sousa, Cláudio Castro, Ema Marli, Inês
Cóias, João Grosso, José Neves, Lúcia Maria, Manuel Coelho, Maria Rueff, Miguel
Guilherme, Nadezhda Bocharova, Paula Mora e Pedro Moldão. Música: Paulo Furtado
aka The Legendary Tigerman. Cenografia e figurinos: Catarina Barros. Desenho de
luz: Cárin Geada. Desenho de som e sonoplastia: João Neves. Vídeo: Eduardo
Breda. Produção: Teatro Nacional D. Maria II em parceria com Teatro
Experimental do Porto (TEP). Duração 3h15.
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