segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Sobre o filme «Ladrões de Bicicletas» de Vittorio De Sica, 1948.















Ao Domingo chove sempre!
Diz, desanimado, o amigo a Antonio (Lamberto Maggiorani) enquanto o ajuda a procurar partes da sua Fides entre os milhares de bicicletas que se revendem no mercado. Ao filho, Bruno (Enzo Staiola), fica a tarefa de espreitar bombas e campainhas.
O título diz tudo. Antonio precisa da sua bicicleta senão perde o emprego. Nada mais necessário. Nada mais simples. A história é essa. Apenas essa.

Cinema que poderia ser mudo e expressionista. As cenas de multidão apressada circulando numa cidade podre e pobre lembram vagamente as de «Couraçado Potemkine» de Serguei Eisenstein (1925). As cenas de solidão e desespero lembram «O Garoto de Charlot» de Charlie Chaplin (1921). Mas já lá vão os anos 20. Estamos em 1948 e a cidade move-se sobre os escombros socias do pós-guerra. É preciso valer os novos modos de filmar.
E, quase sem orçamento e com enorme esforço do realizador, este filme torna-se símbolo, mito, exemplo, razão e coração, para uma legião de espectadores de um certo neo-realismo! Há que mudar empenhadamente a Arte para que a Sociedade mude!

Mas «Ladrões de Bicicletas», que se inicia com uma pungente ida à loja de penhores para reaver a bicicleta por troca com uma trouxa de lençóis, colocada no topo da impressionante pilha de outros haveres penhorados, afinal e acima de tudo, é um filme sobre a comunhão amorosa de um filho miúdo e determinado e de um pai a circular sem norte no interior do desespero. Quem protege quem? Quem precisa de quem? Não é a mão pequenina que vai no final segurar a mão maior e desistente? A mão que antes bateu mas que depois procura desvairada por um miúdo que poderá ter-se afogado.
E o famoso interregno no desvario, essa cena fora de cena, no restaurante onde só há dinheiro para pão com queijo mas onde há lugar ainda para confidências e sorrisos.
E o imenso conjunto de não actores, quase mascarados quase palhaços, ridículos, divertidos, a envolver de comédia o pânico de António, valorizando-o, circulando circense em torno da tragédia, reinventado o dia seguinte, não será prova fundamental de um expressionismo artístico que faz guindar o filme a um estatuto que há muito escapou do léxico parco e malquisto dos críticos do Neo-Realismo.

«Ladrões de Bicicletas» é um aviso importante. Um aviso de que a Arte é eterna quando preenche esse modo comovente de sublinhar a consciência e sublimar a estética.

«Ladrões de Bicicletas» é um filme exemplar.


jef, agosto 2017

«Ladrões de Bicicletas» (Ladri di biciclette) de Vittorio De Sica. Com Lamberto Maggiorani, Enzo Staiola, Lianella Carell, Giulio Chiari, Vittorio Antonucci, Elena Altieri, Michele Sakara, Fausto Guerzoni, Carlo Jachino. Argumento: Vittorio De Sica e Cesare Zavattini segundo o romance de Luigi Bartolini. Música: Alessandro Cicognini. Fotografia: Carlo Montuori. Produção: Giuseppe Amato e Vittorio De Sica Itália, 1948.

 

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