terça-feira, 16 de agosto de 2022

Sobre o filme «Estrada Fora» de Panah Panahi, 2021.



















É difícil classificar racionalmente este filme. Digamos que só o coração nos levará a uma das suas múltiplas chaves emocionais. Podia dizer-se ser uma comédia, se não fosse tudo tão trágico. Também o podíamos colocar no sector dos filmes musicais, pois aqui também se canta desabridamente. Ou, então, levar-nos-ia a colocá-lo junto aos filmes on the road já que se trata de uma família em viagem pelas inóspitas (e lindas!) paisagens iranianas junto à fronteira com a Turquia. O destino é-nos desconhecido, não pode haver telemóveis mas existe uma cadelinha doente e o pai (Hasan Madjuni) vai com uma perna engessada e uma latente dor de dentes. A mãe (Pantea Panahiha) tenta não chorar e guarda um caracol do cabelo do filho mais velho (Amin Simiar) que conduz a viatura com um semblante cada vez mais trágico. O irmão mais novo (Rayan Sarlak) é híper-activo, canta, berra, esperneia e beija o chão que, para ele, é qualquer coisa de sagrado.

Classificá-lo-íamos também como filme de cowboys que percorrem o deserto, quando numa longa cena junto ao rio, pai e filho conversam, desconversando e silenciando, e o pai atira a segunda maçã para a água para poder partilhar o único fruto com o filho.

Ou, então, vê-lo como uma fantasiosa alegoria cinematográfica ao tão ali citado “deslumbramento cósmico” de «2001, Odisseia no Espaço» (Stanley Kubrick, 1968).

Nada neste filme nos é narrado directamente. Tudo é descrito como peças soltas para que a intuição do espectador as junte dentro de si, como um jogo, e construa o seu próprio riso, a sua própria amargura.

A câmara surge em modo distante, fixa, quase alheada da beleza do que observamos. Vinda de longe. Mesmo quando o automóvel se move, a câmara suspende a respiração face às personagens que permanecem num risível controlo-descontrolo (histérico ou melancólico) ao caminhar para a inevitabilidade do destino. E esse destino é também a inevitabilidade do beco sem saída de uma sociedade madrasta. Sim, é o beco sem saída socio-político de um país chamado Irão. Contudo, a descomunal dimensão emocional e afectiva deste filme só nos revela a universalidade do cinema.

Há muito que não via um filme político tão ternurento.


jef, agosto 2022

«Estrada Fora» (Jaddeh Khaki / Hit the Road) de Panah Panahi. Com Pantea Panahiha, Hasan Madjuni, Rayan Sarlak, Amin Simiar. Argumento: Panah Panahi. Produção: Mastaneh Mohajer, Jafar Panahi, Panah Panahi. Fotografia: Amin Jafari. Música: Peyman Yazdanian. Irão, 2021, Cores, 93 min.

 

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