terça-feira, 16 de maio de 2023

Sobre o filme «Têm de Vir Vê-la» de Jonás Trueba, 2022



 


























Jonás Trueba parece rejeitar a inevitável comparação do seu filme com os de Éric Rohmer. Compreensível a comparação, bem como a sua rejeição. Também neste, as personagens vogam num mundo sem sistema, apenas levados por uma história sem aparente importância, entre o camião do lixo que está a chegar e o engano numa estação de comboios, pelas palavras de um livro, por um dia sem trabalho a passear no campo dos arredores de Madrid. Ao espectador é-lhe oferecido de bandeja o tempo para ouvir a banda sonora tocada por Chano Domínguez, Bill Frisell ou Bill Callahan enquanto contempla os olhares, ora velados ora cristalinos, dos dois casais que se encontram, finalmente, num qualquer dia durante a pandemia. É nesses olhares que reside toca a história do filme.

A grande diferença entre os dois realizadores está no modo enciclopédico com que o francês filma, por ordem e método, expondo directamente o final como tese definitiva, e o subjectivo elo cinematográfico de Trueba que nunca conta a história por inteiro, deixando a infelicidade ou a desconstrução da vida comum nos interstícios de um suave almoço de borrego assado ou no jogo a pares de pingue-pongue. Ou na hipotética análise de um torço de Apolo cuja perfeição estética e dialogante reside exactamente na ausência do rosto e dos membros.

Se Rohmer faz tese nos seus magníficos filmes, Trueba apenas lança a brilhante hipótese num possível sorriso, numa provável melancolia, na dúvida terna de um improvável recomeço. Rohmer surge com super-narrador. Trueba, como intra-observador.

Já agora, lembrei-me ainda, ao sair do cinema, dos filmes incompletos e musicais de Kelly Reichardt


jef, fevereiro 2023

«Têm de Vir Vê-la» (Tenéis que venir a verla) de Jonás Trueba. Com Itsaso Arana, Francesco Carril, Irene Escolar, Vito Sanz, Chano Domínguez, Jonás Trueba. Argumento: Jonás Trueba. Produção: Javier Lafuente e Jonás Trueba. Fotografia: Santiago Racaj. Música: Chano Domínguez, Bill Frisell, Bill Callahan. Espanha, 2022, Cores, 64 min.

 

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