sábado, 17 de junho de 2023

Sobre o livro «Um Lugar ao Sol seguido de Uma Mulher» de Annie Ernaux. Livros do Brasil, 2022 (1984-1988). Colecção Dois Mundos. Tradução de Eduardo Saló.










Como sobreviver à morte do pai e da mãe. Como reconhecer o facto de que desapareceu para sempre o reservatório que sustentava as raízes na nossa memória. Como entender a carga da ausência total desse amor, a subtileza emocional dos remorsos associados à inevitável incapacidade de os ter compreendido nos seus erros como pessoas independentes do nosso ser. Como esquecer as nossas falhas, a nossa vergonha, o nosso desespero ao querermos, a todo custo, saltarmos para fora do seu controlo afectivo, das suas limitações e tristezas.

Ao contrário de Julian Barnes em «Nada a Temer» (Quetzal, 2011), que descreve também, ao pormenor, essa descida perniciosa ao entendimento impossível de um passado definitivamente inexorável, mas sempre com a louca tendência britânica para o humor, Annie Ernaux, em «Um Lugar ao Sol» dedicada à morte e consequente vida de seu pai, trabalhador, sonhador, envergonhadamente orgulhoso, e «Uma Mulher» sobre a tenacidade matriarcal de uma mulher em levar até ao último minuto a sua avante, faz a autora uma espécie de acto de contrição e de reavaliação emocional e moral do seu próprio comportamento face à morte e vida dos seus pais.

Annie Ernaux nunca expõe o seu passado, nem a própria intimidade, mas propõe uma espécie de estudo clínico, entre o histórico e o psicanalítico, de uma Normandia onde a fome e a guerra marcaram o tempo do comércio e da sobrevivência, colocando a sua própria personagem como motor narrativo e descritivo.

Contudo, dois "estudos históricos e psicanalíticos" ensopados da fibra emocional ou do nervo incorrigível com que a morte dos pais nos marca para sempre.

jef, junho 2023


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