sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Sobre o livro «O Hóspede de Job»» de José Cardoso Pires. Moraes Editores, 1975 (1963).










Esta é uma história simples, uma história sobre um Alentejo longínquo, talvez um Alentejo ainda hoje lonquínquo. Uma terra onde diversas pessoas sobrevivem num cenário que é, o próprio, o personagem determinante, condicionante que obriga as gentes a longos percursos ao sol a pique ou ao luar e sombras, que os obriga aos pensamentos e ao silêncio. Diversos contos, como parábolas bíblicas ou episódios quixotescos, cruzam-se, mais próximos ou mais afastados do polígono militar de Cercal Novo. Também rondando Cimadas com a revolta das mulheres, a taberna ou o poço onde a Guarda prende os cavalos e vigia os suspeitos que os vigiam; rondando o Lavre, Montemor, Beja, onde o espectro dos malteses famintos, em demanda por trabalho, se cruza com o dos ciganos. Aqui são todos nómadas. Seguimos os passos de Aníbal que segue ele a fraqueza do Portela. Aníbal deseja ir reclamar a pensão por sustento já que lhe levaram Abílio, o filho-soldado. O Portela talvez um dia se decida a vender os folhetos de Abílio com as lendas e narrativas de reis, fidalgos e corcundas…

Tudo escrito com a beleza e o rigor de frases sumárias, de diálogos cortantes, infalíveis. Acima de tudo, a história de uma amizade sustentada apenas na ternura respeitosa que vem obrigada de tal solidão maior.

Um romance talvez mais naturalista do que neorrealista.

Um romance de uma candura maravilhosa, sob a escrita milimétrica do escritor. Do eterno José Cardoso Pires.


jef, setembro 2023

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