quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Sobre o livro «O Primo Basílio, Episódio Doméstico» de Eça de Queirós, Book Cover, 2022 (1877)



 







Uma obra e tanto!

Como acabar um romance, desvalorizando-lhe o estratagema?

Colocar como subtítulo, em jeito de epígrafe explicativa, “Episódio doméstico”.

Dar enlevo romântico ao realismo, descrevendo pormenorizadamente as figuras que irão oferecer o mote à intriga: Juliana, a fulminante, Sebastião, o estratega, Leopoldina, a libertina. Assim, as personagens que deviam ser as centrais, Luísa e Jorge, ficam numa interessante poalha nevoenta ou insonsa, apesar de intensa.

Povoar o texto de figuras de uma ironia descomunal: o médico Julião Zuzarte, a apaixonada D. Felicidade, o dramaturgo Ernestinho, o banqueiro Castro, a estanqueira, a carvoeira, o Paula dos móveis, as vizinhas Azevedo, a cozinheira Joana, a inculcadeira tia Vitória.

E, claro, o celebérrimo conselheiro Acácio, com o seu necrológio e os dois travesseirinhos.

E como móbil para a acção central, o galã Primo Basílio (mais a sua sombra, o Visconde Reinaldo).

Colocar toda a burguesia de 1877 a tossir e escarrar contra a própria burguesia, com laivos de republicanismo e, simultaneamente, de devoção pelos veludos da família real, no São Carlos ouvindo o “Fausto”.

Essa toda burguesia pequena numa rua apenas. E Lisboa encalorada percorrida num ápice, confinada ao pequeno bairro que vai do Tejo à Patriacal, ao Príncipe Real, passando pelo Camões, por São Roque ou São Pedro de Alcântara, pelo passeio público subindo do Rossio. Com uma viagem ao longínquo Lumiar e umas fugidas ao Paraíso, lá para as bandas de um incógnito Arroios.

Tudo descrito cinematograficamente, filmado com cores vivas, e narrado rápido, tão rápido quanto o realismo manda e os assombrosos diálogos impõem!

Uma Lisboa pequenina onde todos se encontravam a cada momento. Todos intrigam, suspeitam, vigiam, velam, num clima perfeito para aniquilar uma sociedade burguesa e monárquica prestes a sucumbir por velhice e pelas dívidas. Ainda há quem peça ao Senhor que envie um novo terramoto, mas ele mantém-se quedo.

«Então havemos de dormir no mesmo quarto? Você pensa que o Sr. D. Basílio é meu amante, seu devasso? Está tudo cheio? Mas quem se lembre de vir a Portugal? Estrangeiros? É justamente o que me espanta! É o clima, é o clima que os atrai! O clima, este prodigioso engodo nacional! Um clima pestífero! Não há nada mais reles que um bom clima!...»

Assim fala Visconde Reinaldo num esplendoroso, desconcertante, cómico e esclarecedor capítulo derradeiro.

Eça de Queirós é o máximo!

 

jef, dezembro 2025

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