quinta-feira, 9 de abril de 2015

A realidade existe. Parte IV, a final [a velocidade das estrelas]













Alguém aproxima-se e pergunta: «Quem és tu?»
Respondo: «Sou eu.»

É percorrida a imensa distância que, no cosmos, faz parecerem vivas as estrelas que já morreram, pois a luz, velocíssima, anda a penar por espaços inauditos, dirigindo-se, no fim sem fim, para dentro da nossa retina, do nosso cérebro, da nossa incompreensão. Afinal, que distância é essa que acertou mesmo no centro de nós? De que é feita a aproximação, qual a aceleração de um encontro?

Pergunto «Quem és tu?»
Alguém responde «Sou eu.»

A distância percorrida pela identidade de quem responde com semelhantes palavras é a identidade difundida. A certeza na palavra falada, apesar de ser firmada em contrato íntimo, biunívoco. Palavra que é, ainda, o contrato social. Duradouro, por definição de «Contrato». A semelhança define a realidade de quem agora responde e de quem antes perguntou. A realidade do ser «Eu». A realidade da aproximação. Qual a velocidade de um encontro?

«Quem sou eu?»
«És tu!»

A realidade existe. A realidade que anula o equívoco em que a retina viajou, julgando a luz presente representar a vida dos astros pretéritos. As palavras desenganam a retina. As palavras no presente, a luz diversa perdida da origem.

«Quem sou eu?»
«Deixa-me responder.»

Porém, a distância percorrida até um tal encontro, fortuito mas pouco fugaz, é real. Ulisses responde tal como o Romeiro, «Ninguém!», a vida safa-se, a verdade também. E se na distância captada pela retina uns crêem, na coincidente verdade dos «Eu» outros iludem-se. Mas «Ninguém» se atreve a negar a realidade dos encontros, a inegável velocidade das estrelas.

jef, abril 2015

[nota: a imagem vem do tempo sem tempo de Andrei Tarkovsky]

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