Rossellini equaciona o olhar do espectador.
Os parentes cairiam na lama se este filme fosse considerado
como seis modos diversos de olhar a «aventura»? Claro que sim! É difícil ver «esta»
Segunda Grande Guerra com o espírito mais lúdico de quem vai divertir-se para o
cinema.
«Paisà» é um filme especial no pressuposto político de
neutralizar o hediondo espírito belicista usando o confronto de ideias, de
culturas e de estéticas. Facto muito caro à dialéctica e à cultura.
Mas como consegue o realizador a adesão a essa tese por parte
do espectador num filme que é de ficção e que, ostensivamente, se desvia da
realidade para melhor dela se aproximar? Exactamente pela gestão rigorosa da ordem
de certo «cinema de aventuras», um dos mais velhos modos de contar uma
história. O caminho faz-se da Sicília até à foz do rio Pó, cruzando os
melodramas e a acção de rua, a sucessão de planos e contra-planos de fugas
pelos telhados e perseguições em ruínas, entre correrias, escadas e becos, esquinas
e tiroteios, entre planos captados no movimento real urbano e no teatro de
marionetas, claro que o teatro não poderia faltar!, onde a comédia e o riso servem
apenas para aliviar a dor insuportável e aprofundar a tragédia que voltará mais
à frente … É esta também a ordem das odisseias humanas e literárias que, neste
caso, desagua num momento único: a mais extraordinária, bela e sinistra mise-en-scène
no rio Pó: barcos, homens, coragem, desespero e morte. Tudo se move como
num baile negro. Nesse momento apocalíptico, alguém refere antes de cumprir o
sacrifício humano: «Para construir a ordem nova é preciso destruir todos os
sinais da anterior».
Estará a «ordem» da aventura de Rossellini a enviar algum
sinal de alerta aos olhos do espectador na sala do cinema Nimas, em Lisboa, exactamente
no dia de hoje?
jef, abril 2015
«Paisà - Libertação» (1946) de Roberto Rossellini. Com Carmela Sazio, Robert van Loon, Dots M. Jonhson,
Gar Moore, William Tubbs, Harriet White, Dale Edmonds.
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