quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Sobre o filme «Barbara» de Mathieu Amalric, 2017
















O mais atraente neste filme não será tanto ser um filme sobre um filme. De «Oito e Meio» de Fellini (1963) a «A Noite Americana» de Truffaut (1973), «O Estado das Coisas» de Wenders (1982) ou «Road to Nowhere - Sem Destino» de Monte Hellman (2011), todos os grandes realizadores foram aliciados por essa, digamos, «crise de identidade» ou «cine-autobiografia».

O melhor do filme de Mathieu Amalric, irrequieto personagem que nunca sabe se quer estar à frente ou por detrás das câmaras; na frente do plateau ou sobre o palco; a realizar ou a actuar; dentro do comércio cinéfilo de Hollywood ou a esgrimir contra ele; o melhor deste filme é, exactamente, esse meio-termo ultra sensível que coloca uma extraordinária Jeanne Balibar (Brigitte) a transformar-se, em duplo papel, em Barbara, e esta Barbara que nunca sabemos se está a voltar à génese da criação dramática da inicial Jeanne Balibar a retomar o papel de Brigitte.

Mathieu Amalric representa o papel do realizador Yves que também anda baralhado, entre a personagem, bela, exótica, intrigante, da cantora francesa, e a visível cumplicidade da sua ex-mulher Jeanne Balibar. Os grandes planos e as grandes canções, as palavras sentidas pela geração de ouro da Canção Francesa, deixam Yves num estado de deslumbramento aparvalhado, embasbacado, um realizador que não controla a ficção e a narrativa documental. 

Afinal, Amalric sabe como contar uma história sem tentar desfazer-lhe os enigmas com truques baratos de conto de fadas.

Ao sair do filme, também eu me senti baralhado, mas também hipnotizado, comovido, por tão obscura personagem. Encantado pelo jeito de um realizador em terminar uma filme sem o massacrar com conclusões académicas.

jef, janeiro 2018

«Barbara» de Mathieu Amalric. Com Jeanne Balibar, Mathieu Amalric, Vincent Peirani, Fanny Imber, Aurore Clement, Grégoire Colin. França, 2017, Cores, 97 min.

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