segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Sobre o filme «Helena e os Homens» de Jean Renoir,1956















Em Jean Renoir existe sempre uma falta de vergonha, uma irreverência matreira, que transforma todos os seus filmes numa espécie de festa tocada pela ópera, pela música, mas também pela sombra. Jean Renoir é para todos os que o queiram ver, claro, mas é acima de tudo para quem saiba apreciar esse seu lado modernista de destruir as barreiras do classicismo, num rodopio de câmara, de planos cruzados e corridos, numa poupança de minutos para melhor contar uma história. Jean Renoir é para quem, mais atento, corre atrás desse modo de contar uma fábula, entre o impressionismo e o cubismo, para acabar de vez com o lado romântico oitocentista, realista e híper-narrativo.

A legenda inicial de «Helena e os Homens» avisa que tudo o que vamos ver é pura invenção. Claro, palavras falsas. O herói guerreiro, amorável e belo, quase medieval, o General Rollan (Jean Marais) é o herói, verdadeiro e romântico, o general Georges Boulanger. É a guerra franco-alemã de Bismarck e Napoleão III, a Comuna de Paris, a possível monarquia de volta, a ditadura militar, a Europa em reboliço novamente … Mas Jean Renoir faz do filme uma paródia musical, na Belle Époque, entre o vaudeville e a opera buffa, onde o poder financeiro da borracha tenta junto do fraco poder militar fazer boicotes económicos e fechar fronteiras; onde a aristocrata e tão bela Helena (a belíssima Ingrid Bergman) é chamada para, através dos seus dotes de patriota e sedutora, repor a verdade dos factos políticos, contudo…

Poucos filmes terminam deste modo, com uma cena híper-emocional de um beijo colectivo, popular e na praça pública, ao som da canção triste e saudosa «Ô Nuit», cantada por Miarka, a cigana (Juliette Gréco). Um beijo provocador e desaustinado, motivado por outro beijo, sob as cortinas, entre Helena e o seu apaixonado Henri de Chevincourt (Mel Ferrer). Um beijo falso, sombras chinesa, dado para distrair o povo e para que o herói militar escape incógnito.

Eis a sombra da verdade, da história, da consciência, que Jean Renoir sabe sempre lançar no auge da festa. «Estamos no cinema, rimo-nos e encantamo-nos, pois, mas a vida continua lá por fora…» parece o realizador dizer-nos ao ouvido, o desmancha-prazeres.

Tudo aqui é falso, é belo, teatral, operático. Político risível. Por isso e por tudo o resto me vem à memória Ingmar Bergman da «Força do Sexo Fraco» (1964) e de «A Flauta Mágica» (1975).

O texto distribuído ao início da sessão relembra as palavras de Jean-Luc Godard ditas sobre o filme: «Elena» é o filme mais mozartiano do autor. O Renoir que termina «French Cancan» e prepara «Elena» é um pouco, moralmente, o mesmo homem que termina «Concerto para Clarinete» (K 622) e toca «A Flauta Mágica» (K620).

«Helena e os Homens» é um filme da nossa época. Luminoso e triste, sério, muito divertido. Encantado. Eterno.

jef, agosto 2018

«Helena e os Homens» (Elena et les Hommes)  de Jean Renoir,1956. Com Ingrid Bergman, Jean Marais, Mel Ferrer, Jean Richard, Pierre Bertin, Jacques Jounnau, Magali Noël, Dora Doll, Juliette Gréco, Elina Labourdette, Frédéric Duvalés, Gaston Modot, Mirko Ellis, Jacques Illing, Jean Claudio, Jean Castagnier, Leo Marjane, Léon Larive, Gregori Chmara. Argumento e diálogos: Jean Renoir. Produção: JeanThuillier. Música: Joseph Kosma. Fotografia: Claude Renoir. França, 1956, Cores, 99 min.

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