Stefan
Zweig é um autor anacrónico. Escreve como se ainda o fizesse no tempo em que
Balzac, Flaubert, Dostoiévksi, Victor Hugo, Charles Dickens se viam a braços
com a polícia dos costumes, a liberdade da arte, a instabilidade social, a liberdade
de publicar e revoltar, a política nos jornais e nos bairros. No entanto, vive já
no tempo de Sigmund Freud e da alma no escalpelo, dos sonhos martirizados com o
bisturi, da alma da Europa em vias de assassinato pelo nazismo. Os seus livros populares
foram banidos e queimados. Suicidou-se por descrença na ressurreição do mundo.
E tornou-se um dos seus símbolos, fazendo tocar o romantismo ou o realismo
literários pelo lado mais perturbado, dissecado, talvez psicanalisado, da arte.
Os títulos das suas novelas sublinham esse maravilhoso anacronismo.
«Segredo
Ardente» é exemplo cabal da minúcia de bem contar uma história simples através
do seu lado mais complexo e sintomático.
«O
poder do amor nunca poderá ser convenientemente avaliado se for apenas medido
pelos motivos que o originaram e não pela tensão expectante que o precede, esse
espaço oco e escuro de solidão e desesperança que se abre ante todos os grandes
acontecimentos do coração.»
Contudo,
apesar de apaixonado, esta não é a história de um amor romântico mas a da iniciação
de Edgar, um rapaz de doze anos, no mundo adulto dos afectos, ou antes, no
mundo dos afectos adultos. Sentirá paixão e abandono, conhecerá a traição, raiva
e o ciúme, dará crédito à desculpa como testemunho de sobrevivência.
Ternamente amarga, é uma novela de leitura compulsiva, cinematográfica, onde os pormenores
descritivos relatam tanto quanto a acção narrativa. É um texto que regressa de
um tempo onde a aristocracia pan-europeia sonhava viver numa eterna redoma intocável para
lhe propor a naturalidade do risco, a instabilidade do sossego, o acidentado
percurso do coração e da sociedade.
Sim,
uma novela anacrónica mas indispensável.
Sem comentários:
Enviar um comentário