sábado, 16 de abril de 2022

Sobre o livro «Em Tempos de Guerra» de Philippe Besson. Caleidoscópio, 2008. Tradução de Sandrina Pinto e Sophie Pinto.











O que mais estranho neste livro é a opção do título português relativamente ao circunstancial título original francês: «En l’Absence des Hommes». Se o assunto charneira do livro resulta, efectivamente, dessa terrível guerra de trincheiras que foi a Primeira Guerra Mundial, todo o seu corpo vital e emotivo, toda a estrutura do enredo tem a ver com a partida, o momento efémero, a ausência física dos homens entre os homens. Só para não afirmar ainda, talvez fosse presunçoso dizê-lo, que é um romance sobre a clivagem entre classes sociais.

Claro que a sociedade burguesa parisiense, no Verão de 1916, andaria já esquecida de guerras franco-alemãs e de comunas e olharia com alheamento social e geográfico para as batalhas renhidas que se travavam em Verdun que, aquela sua casta actualidade, seria ainda coisa longínqua e de particular desinteressante. Aprendi eu essa perspectiva ao ler «O Mundo de Ontem» de Stefan Zweig.

Pois é essa carismática diferença social que fica em evidência na vida social diletante do inteligente jovem de dezasseis anos Vincent de L’Etoile quando se vê confrontado com a paixão desmedida mas ferida de guerra de Arthur Valés, filho da governanta da casa, Blanche, quando regressa a casa por uma semana de licença. Coincidentemente, no mesmo tempo, um literato de reconhecido nome na sociedade parisiense, e que vive acastelado no Hotel Ritz, nota com extremo interesse a beleza quase de criança de Vincent: olhos verdes, cabelo preto. O reconhecido homem das letras francesas assina Marcel P.

Se a primeira parte (A Entrega dos Corpos) se move entre a clausura apaixonada, a proximidade física do quarto de Vincent e a distância formal e cerimoniosa do quarto de Marcel, na segunda (Separação dos Corpos), o romance torna-se epistolar. Na terceira (De Corpo e Alma) a conclusão da ausência na guerra e na morte é a sua própria inelutável confirmação.

Um romance terno e comovente, toldado pelo luto mas também pela perspicácia galante dos diálogos em discurso indirecto (Digo: a sensualidade é uma inteligência) que faz de Vincent um quase patrono moral para Arthur ou Marcel.

Sem querer fazer comparações irrealistas, por vezes a certeza de Vincent, a ansiedade de Arthur ou a distância de Marcel fizeram recordar-me a atmosfera de romances franceses como «Alexis» de Marguerite Yourcenar ou «Olhos Azuis, Cabelo Preto» de Marguerite Duras.               

jef, março 2022


 


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