domingo, 25 de setembro de 2022

Sobre o livro «A Noite do Professor Andersen» de Dag Solstad. Cavalo de Ferro, 2018. Tradução de João Reis.










Por falar em obsessão.

Pal Andersen é professor de literatura e especialista em Henrik Ibsen, em particular das peças que este escrevera entre 1880 e 1890. O grande Ibsen. Divorciado, 55 anos, sem filhos vive rodeado de livros num bom apartamento em Oslo. Está sozinho e oferece a si próprio uma requintada refeição na noite de Natal. Prepara-se para um momento tranquilo e abençoado quando resolve ir à janela da frente observar os vizinhos que também estão a comemora.

Numa das janelas do prédio em frente, porém, assiste a um caso que não o vai deixar sossegado durante semanas. Entre a angústia e a obsessão começa a duvidar da utilidade da sua profissão, do percurso feito desde a sua juventude, da razão da culpa e do crime, do valor da pena e do castigo.

«No fim de contas, tinha a forte suspeita de que desperdiçara a sua vida em algo condenado a desaparecer. Era professor universitário de literatura e já não conseguia dizer que a literatura tinha um grande valor associado, algo que acreditara quando optara por seguir esse rumo.»

O Professor Andersen vai questionar ainda o percurso burguês dos amigos e dos colegas. Questiona mais intensamente a sua conduta, a própria culpa perante a suposta ineficácia da denúncia, admite uma certa admiração pela ostensiva culpa alheia, cede à doença que, aos poucos, o vai dominando. «Mas posso estar condenado quando não acredito em Deus?» Tira uma baixa médica, veste o pijama e o roupão mas jamais dúvida do que os seus olhos verificaram naquela noite.

O Professor Andersen põe até a hipótese de ir acompanhado assistir às corridas de cavalo em Bjerke. Mas treme de frio e deve voltar a resguardar-se em sua casa, entre livros, delitos e omissões.

Curiosamente, este livro, que nos faz entender, de certo modo, o mundo serenamente intelectual e estável de Oslo e da Noruega, transporta um certo ambiente de desespero final interrompido por laivos de um humor tão subtil e triste quanto nórdico e frio. A obsessão da escolha é a dúvida primordial.

A sombra de Sören Kierkegaard paira por aqui.

Contudo, tão filosóficos e obsessivos como este texto mas infinitamente mais divertidos temos «Um, Ninguém e Cem Mil» de Luigi Pirandello ou «O Crime de Lorde Arthur Savile» de Oscar Wilde.

 

jef, setembro 2022

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