terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Sobre o filme «Cesária Évora» de Ana Sofia Fonseca, 2022

 

 

O que espanta no novo mundo das produções e exibições cinematográficas, , após pandemias, confinamentos, visionamentos digitais domésticos e em telemóvel (paz à alma de Hollywood como nós a conhecíamos), netflíxicas, é o facto (ou talvez tendência) da conquista desse espaço pelos espectadores cativados pela diversidade do cinema exibido pelas (poucas) distribuidoras ditas ou tidas por independentes.

Hoje em dia, felizmente, vamos ao cinema (muitas vezes a horas trágicas) para ver filmes que se libertaram das classificações inscritas nos cardápios cinéfilos. Nessas listas, «Cesária Évora» de Ana Sofia Fonseca seria colocado na página dos “documentários”.

Hoje, sem preocupação pela etiqueta, o cinema enche-se para ver um belo filme sobre uma mulheraça que viveu no interior da sua liberdade, cresceu musicalmente-mundialmente impondo a sua postura, tão diletante como vaidosa, bamboleando sobre os seus pés descalços à conta de dolorosos cravos. Bebeu para afastar a solidão depressiva, talvez como cantasse para sobreviver a si própria. Morreu porque quis morrer quando quis morrer, agora que se discute o direito vital-mortal da eutanásia. Entristecia e sorria, alternadamente. Não ligou ao dinheiro porque este lhe trouxe uma casa construída e cheia de gente. Impôs o seu nome como sinónimo complexo do país Cabo Verde. É obra.

Uma obra transmitida pela rigorosa contenção da realizadora, pela montagem ágil, simultaneamente sóbria e exuberante. Por esse vai e vem cronológico de imagens e sons. Por esse respeito efectuoso pela diva africana.

Não é de todo fácil transmitir a vida e a obra de uma mulher assim, com tanta alegria, generosidade e respeito, sem nunca tender para a fácil lamechice da “honrada pobreza”. Antes, “Orgulho, Liberdade e Independência “ é o lema demonstrado por Ana Sofia Fonseca para reconhecer Cesária Évora. Talvez a realizadora tenha inventado uma nova categoria cinematográfica.


jef, novembro 2022

«Cesária Évora» de Ana Sofia Fonseca. Com Cesária Évora, Janete Évora, José da Silva, Bouziane Daoudi, Filipe Araújo, Mara Costa, Ana Sofia Fonseca, Ricardo Freitas, Hélder Lopes, Joana Lourenço, David Medina, Miroca Paris, Agostinho Ribeiro, Rosa Teixeira da Silva. Produção: Ana Sofia Fonseca e Irina Calado. Argumento: Ana Sofia Fonseca. Fotografia: Vasco Viana. Portugal, 2022, Cores, 94 min.

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