quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Sobre o filme «Crimes do Futuro» de David Cronenberg, 2022



















Longe vai o tempo da angústia trazida por um lugar desconhecido num futuro desconhecido de «A Mosca» (1986). Longe também, os labirintos psicossomáticos da libido e o belo metal dos apetrechos ginecológicos de «Irmãos inseparáveis / Dead Rigers» (1988) ou desse cordão umbilical futurista, tão cativante como medonho, de «eXistenZ» (1999). 

Cronenberg afasta-se, uma vez mais, da natureza humana e dos seus delicados predicados viciantes e encosta-se à caricatura de si próprio, copiando-se, contudo, errando-se emocionalmente. Muito, muito longe vai esse libidinoso apuro estético de «Crash» (1996).

Talvez a música do mestre Howard Shore seja o melhor do filme ou mesmo os belos e sobreviventes olhares angustiados de Viggo Mortensen (Saul Tenser) ou Léa Seydoux (Caprice). Porém nem esses conseguem libertar-se de um ambiente pseudo-degradado-futurista-muito-sépia (a tentar piscar o olho a «Blade Runner - Perigo Iminente» de Ridley Scott, 1982), ou dos cenários plastificados de uma Atenas em ruínas, ou da risível cadeira eléctrica de alimentação. Os corpos retalhados e os novos órgãos que brotam como tubérculos vegetativos do interior dos novos humanos “sem dor-nem sexo” não chegam a elucidar o espectador dos propósitos estéticos do realizador. Sugere um filme de animação pré-bélica nipónica ou de ficção científica série Z (grande é ainda «Plan 9 from Outer Space» de Ed Wood, 1957) em que a “boa moral” quase é vencida na guerra entre os gangs que se digladiam – as conservatórias do registo de novos órgãos; os promotores de prémios de beleza interior; os comedores de plástico ou os artistas-performers que exibem nos seus espetáculos o expoente futuro da medicina legal e das artes forenses.

David Cronenberg brinca com David Cronenberg mas o humor sai-lhe furado. 

A sua fantasia já deixou de ser verossímil. 

A sua ficção deixou de ser real.


jef, dezembro 2022

«Crimes do Futuro» (Crimes of the Future) de David Cronenberg. Com Viggo Mortensen, Léa Seydoux, Kristen Stewart, Lihi Kornowski, Scott Speedman, Don McKellar, Nadia Litz, Tanaya Beatty, Mihalis Valasoglou, Welket Bungué, Tassos Karahalios. Argumento: David Cronenberg. Produção: Robert Lantos, Panos Papahadzis, Steve Solomos. Fotografia: Douglas Koch. Música: Howard Shore. Guarda-roupa: Mayou Trikerioti. Canadá / Grécia, 2022, Cores, 107 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário