terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Sobre o filme «Os Verdes Anos» de Paulo Rocha, 1963

















Nada mais há a dizer quando passam 60 anos sobre o mais arquitectónico filme realizado sobre a melancolia (ou o fado) ancestral de se ser português, de se viver permanentemente no interior da nostalgia de um passado rural e no desconforto pela inevitabilidade do futuro que chega para alterar as regras urbanas e morais de uma cidade que ainda espera o nevoeiro de um tal Dom Sebastião.

O primeiro filme realizado por Paulo Rocha e produzido por António da Cunha Telles, protagonizado pela novíssima Isabel Ruth (Ilda) e pelo novíssimo Rui Gomes (Júlio), busca os mais directos e sintécticos diálogos de Nuno Bragança e coloca-os numa história tão simples quanto fulcral – o namoro quase pueril entre a alegre Ilda e o tímido Júlio, que mais tarde descobrirá os simulacros da traição e do ciúme, e termina na desmedida apoteose que o destino sempre oferece às grandes tragédias clássicas.

É a estratégia dos longos planos, da falsa linearidade dos decores e das esquadrias perfeitas, dos ângulos rectos, dos pontos de fuga infinitos. O correr da câmara junto das paredes olhando as velhas janelas ou os tectos desvalidos. A estratégia de colocar frente a frente a moderna Lisboa “fascista” e a velha baixa lisboeta ou o além-tejo monárquicos. A travessia do Tejo como salvaguarda do presente ou culpa do que está para vir.

Esse lento desmoronar do desejo, o declínio das expectativas.

O assassínio da esperança num novo lugar numa nova urbe desde o início anunciado pelos acordes de Carlos Paredes, ineludíveis.

Intocada a beleza de um futuro nascido para o Novo Cinema Português. Presente e eterna.

 

jef, novembro 2023

«Os Verdes Anos» de Paulo Rocha. Com Rui Gomes, Isabel Ruth, Ruy Furtado, Paulo Renato, Alberto Ghira, Cândida Lacerda, Carlos José Teixeira, Harry Wheeland, Irene Dyne, Júlio Cleto, Óscar Acúrcio, Manoel de Oliveira, Carlos Jesus Alfonso, Olga De Campos, Ruy Castelar, Manuel Bento, Victor Dias , Henriqueta Domingues, Joaquim Antonio Mendes. Argumento: Paulo Rocha e Nuno Bragança (diálogos). Produção: António da Cunha Telles. Fotografia: Luc Mirot. Música: Carlos Paredes. Guarda-roupa: Rafael Calado e Ada Cruz. Portugal, 1963, Preto e Branco, 84 min.

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