Em
Lisboa (em Portugal), surge teatro do bom, inteligente e popular, por todas as
salas. Teatros que se enchem de público e para todos os gostos.
Fui
ver ontem o meu primeiro musical ao vivo e, confesso, ia muito de pé atrás pois
tenho sempre relutância de me afastar dos meus preconceitos paradoxais.
Porém,
com «Querido Evan Hansen», entendi que se devem deitar fora todos os paradoxos preconceituosos.
Um musical que fala de famílias apressadas, sem tempo para escutar,
miúdos-graúdos dentro da solidão e do distanciamento social, do suicídio jovem,
da depressão, do alheamento, das notícias falsas, da crise das redes sociais e da
necessária solidariedade para nos apartarmos, miúdos e graúdos, do declíneo
fatal a que o isolamento pode conduzir.
Um
facto, e estava absolutamente convencido que não iria emocionar-me, um facto é
que botei alguma lágrima.
Sem
quaisquer artefactos cenográficos para além de uma cama, sofás e uma mesa que,
girando, provocam as mudanças de cena, a atenção pede os múltiplos ecrãs que
não legendavam mas atribuíam significado ao despojamento do palco e à
extenuante velocidade (des)informativa dos ecrãs pessoais e actuais. Lá atrás a orquestra
toca.
Evan
Hansen (João Sá Coelho), entre o secundário e a universidade, é invectivado pela híper-ocupada-apressada
mãe, Heidi Hansen (Gabriela Barros), a seguir o conselho do médico e começar a
escrever regulamente a si próprio cartas de auto-motivação: «Querido Evan
Hansen, hoje vai ser um dia bom». Tudo isto se passa nos primeiros minutos e
quase surge como tema publicitário da peça. Evan Hansen vive sob o regime da
ansiedade ou da inadaptação às expectativas maternais ou à própria desadaptação
interior. Não tem amigos, talvez até sofra de bullying e tem as mãos constantemente
suadas por nervoso. Porém ao perder a carta que escreveu e fora imprimir, a sua
vida muda de figura…
É
muito interessante como a sobriedade cenográfica apenas faz concentrar o
espectador na intriga que se desenrola a partir de uma certa mentira impiedosa
ou da benevolência que o acaso tantas vezes oferece.
Esqueçam
o velho teatro de intervenção. Aqui está a arte contemporânea a tentar impedir
que o mundo ainda se enterre mais no buraco que anda a escavar hoje em dia.
jef, 13 de outubro de 2024
«Querido Evan Hansen». Texto: Steven Levenson. Música: Benj Pasek e Justin Paul. Encenação, tradução e adaptação: Rui Melo. Com Dany Duarte (Connor), Gabriela Barros (Heidi Hansen), Miguel Raposo (Larry Murphy), Sílvia Filipe (Cynthia Murphy), Brienne Keller (Alana), Inês Pires Tavares (Zoe Murphy), João Maria Cardoso (Jared) e João Sá Coelho (Evan Hansen), e com os Músicos: Artur Guimarães (teclados), Tom Neiva (bateria), André Galvão (baixo), Marcelo Cantarinhas (guitarra), João Valpaços (violoncelo) e Inês Nunes (viola de arco). Cenografia: Eric da Costa. Direcção Musical: Artur Guimarães. Movimento: Bruno Cochat. Figurinos: Rui Lopes. Desenho de Luz: Cristina Piedade. Desenho de som: Sérgio Milhano. Vídeo: Pedro Prata. Produção: Força de Produção. 110 minutos.
Teatro
Maria Matos, de 11 Setembro a 3 Novembro.
Quinta
a Sábado às 21h e Domingo às 17h.
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