terça-feira, 8 de outubro de 2024

Sobre o livro «A Varanda do Frangipani» de Mia Couto, Círculo de Leitores 1997










Na varanda sobre o Índico todos são prisioneiros. A Fortaleza de São Nicolau é uma irremediável tumba, cárcere, asilo, paiol, ilha rodeada de passado e de mar por todos os lados. Também de história, guerra e malfeitoras. Também de amor, silêncio e sorrisos. Parece que o autor encafuou todo o continente moçambicano dentro das muralhas daquele minúsculo lar para idosos. Uma espécie de terreiro ou vaso onde pernoita o aroma das flores de uma única árvore – o frangipani. Um espaço onde se vão acumulando as escamas de um tal pangolim, animal de estimação do futuro que durante as chuvadas surge para contar as novidades.

Afinal, irá chegar Izidine Naíta, um polícia de investigação que tenta encontrar suspeitos pela morte inexplicada de Vasto Excelêncio cujo corpo terá ficado entre marés, água salgada e pedregulhos. Contudo, aquele apenas possui seis dias de investigação e transportará no interior o morrediço Ermelindo Mucanga, um pré-falso-herói-morto que com relutância volta ao mundo dos vivos. Enfim, a relutância esvai-se quando o corpo do polícia faz a alma de Ermelindo aproximar-se da beleza da enfermeira Marta Gimo.

Tudo resto está contido nos depoimentos realizados pelos velhos e pelas velhas, falsos viventes porque prisioneiros dos seus próprios corpos.

Um romance que faz de Moçambique uma espécie de jardim interior, a fortaleza de São Nicolau, formoso e habitado por morcegos e andorinhas, contido na redoma da sua imaginativa crença animista e de um passado ecológico e poético.


jef, outubro 2024

Sem comentários:

Enviar um comentário