segunda-feira, 6 de abril de 2015

Gonçalo M. Tavares escreve «Uma Menina Está Perdida no seu Século à Procura do Pai»
















Resistir e continuar.

Qual a diferença entre as duas palavras quando o centro de gravidade do século XX está a ser ponderado? Hanna e Marius situam-se no centro dessa Europa. Por hipótese, Hanna quer encontrar o pai, por hipótese, Marius deseja fugir. Logo, nem um nem o outro se encontram aí. Poderá ser este o mote com que o escritor atrai o leitor, na curiosidade da viagem de Dom Quixote e no incómodo da evasão musical de Terezin. O espectro de uma guerra eternamente presente; o quarto chamado Auschwitz num hotel-labirinto; o rosto enorme de Goering hasteado como bandeira; um artista, Agam Josh, que grava declarações públicas em letra invisível. Berlim. Tudo está ou parece estar. «Você, se quer um conselho, tenha pelo menos uma parte do corpo um pouco afastada do mundo, senão não sobreviverá.» diz o artista de olho vermelho, infinitamente pequeno, lá pela página 130. A memória, essa, serve para refazer o passado, mas serve também, talvez principalmente, para aproximar o que está geograficamente ausente.

Este livro não é um Manual de Fuga. É um compêndio com a sequência infinita de números pares a lembrar que para resistir é mesmo necessário continuar. Fugir, não! Antes sair disto calmamente, com brio e entendimento. Para termos consciência de que o que se passou em certo século não deverá ser refeito e que a memória dos factos, das ideias e das emoções é, para tal, fundamental. Mas a vertigem de uma escada íngreme, escura e sem corrimão pode atrair o olhar lá para baixo. E a luz forte ser demente.

O caderno 34 do grande pensador talvez seja o livro politicamente mais programático, com uma intenção mais sublinhada, com um cenário mais derradeiro.

Também por essa razão, um livro a ser lido hoje. Já!

jef, abril 2015
«Uma Menina Está Perdida no seu Século à Procura do Pai» de Gonçalo M. Tavares. Porto Editora, 2014.

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