sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Ora! Ora!













Ora! Ora!

Imagine que o Sol se revolta contra Galileu Galilei e vai de andar desenfreadamente à volta da Terra sem tropeçar sequer na Lua.

Imagine que as galerias Uffizi começam a adquirir Rui Chafes por insuspeita ordem sentimental e todos acorrem a aplaudir o Baco de Caravaggio suspenso num imponderável arame.

Imagine que começam a citar John Cage, Wittgenstein ou Husserl logo ao abrir da primeira classe da instrução pública, por exigência da lógica, dos símbolos ou da lesa-majestade.

Imagine-se que algum iconoclasta resolve adorar a cultura pimba, as flores de plástico, a fastfood, que lhes dedica imagens coloridas, recita belas mantras, evangeliza por textos puros. Imagine que, sobre tudo isso, ainda sorri como se nada fosse.

Imagine que a ciência se transforma numa arte como todas as demais artes não figurativas. Apenas por exacto deleite de conhecer, de criar e de provocar a conversa.

Imagine a natureza a interrogar-se sobre a gravidade, a tensão superficial dos líquidos, a impenetrabilidade dos corpos, a transformação da matéria em vácuo, a energia potencial e o respectivo halo cinemático.

Imagine ainda um fogo a arder sem ser visto, uma ferida que dói sem se sentir, uma dor a desatinar sem doer, um cuidar que se ganha por se perder, uma lealdade a matar e a vencer o vencedor, um andar solitário por entre o mundo.

Ora!

Ficará esclarecido que o coração humano, algum dia, causará amizade favorável no próprio coração humano, mesmo sabendo que tão contraditório é este ao ser que o compreende. Tão contraditório que chega a compreender o seu próprio Amor…

…e Camões que se perca a imaginar rimas sérias para sonetos tolos.

jef, novembro 2015

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