sexta-feira, 14 de abril de 2017

Corpo











Dizem que a felicidade é um caso momentâneo, desaparece da rede quando menos se espera, surge da difícil conjugação de átomos circunstanciais. Dizem.
Por isso, da felicidade, acrescentam, ser um caso metamórfico. Metafísico.
Diria eu ser um caso sério.
Um caso que se constrói com o corpo. Nada para além dele, tudo por ele.
Assim, porque é caso factual, a felicidade, a frase, a ideia, o beijo.
Depois, o facto eleva-se, o que resta do corpo, o que foi construído por ele, a imagem, a casa, a leitura, essa pele que se veste por dentro, transforma-se, metamorfiza-se, metafísica-se. Conclui-se, parece escapar. Deseja transmitir-se ao outro. Corpo após o corpo, ou seja, corpo com corpo. A felicidade.
Já não é corpo, também não é memória, não possui sequer passado, coisa que não tem existência para além do corpo que agora se toca. Nem aquilo que se antecipa, que viria a ser corpo mas ainda não o é. O futuro.
Só o corpo existe, cultura de células, ideias, casas, imagens, beijos, leituras.
O corpo, essa cultura de factos circunstanciais, de casos metamórficos. Metafísicos.
Só a felicidade existe como extensão do corpo. Se calhar nem este existe. As bactérias gostam dele ao ponto de o fazerem desaparecer.
As ideias levam-nas o vento.
As imagens levam-nas a luz quando o Sol se esconde.
As casas continuarão mas apenas se forem desejadas, habitadas. Os beijos porventura ficarão nos lábios alheios, e as leituras, apenas se o papel impresso não for deixado à chuva, ao vento, se o fogo não o consumir, se não ficar debaixo dos escombros, das guerras, exposto aos dias durante o Verão.

Repito:

Por agora, só a felicidade existe como extensão da palavra que, para alguns, significa «corpo».


jef, abril 2017

Sem comentários:

Enviar um comentário