segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Sobre o filme «Bando à Parte» de Jean-Luc Godard, 1964

















Por 1964, andava Jean-Luc Godard apaixonado. Anna Karina (Odile), colegial e ingénua, encantada, insegura, provocadora, fazia retroversões de «Romeu e Julieta», era assediada ou assediava os seus dois amigos Arthur (Claude Brasseur) e Frantz (Sami Frey) que preparam um golpe de mestre: roubar um milhão de francos da casa de Mr. Stolz e da Tia Victoria. A casa de Odile.

«Bando à Parte» é um filme louco, com uma estrutura de escola nouvelle-vague-avant-garde, ou seja, com uma estrutura que segue apenas os ditames da irreverência juvenil, da extraordinária e lúcida rebeldia do realizador, que sai, aparentemente, à deriva atrás de Odile, de Frantz e de Arthur, dois anos depois da estreia do congénere «Jules e Jim» de François Truffaut.

Apesar de não ter lugar privilegiado ao lado dos seus super-irmãos «O Acossado» (1960) «O Desprezo» (1963), «Pedro, o Louco» (1965), Jean-Luc Godard apaixona-se realmente pelas três personagens, criando através deles e do seu movimento incessante, das cenas mais inesquecíveis da história do cinema: A lição de inglês “clássico-moderno”, a fantástica “morte” de Billy de Kid, o minuto de silêncio, a canção sussurrada no metro por Odile, a visita mais rápida ao museu do Louvre, ou essa mítica dança no café, enquanto os criados passam e o narrador (Jean-Luc Godard), que abre parêntesis mas não os fecha, vai narrando os sentimentos que os dançarinos têm uns relativamente aos outros.

Quem vê este filme não pode deixar de sentir-se dentro da juventude desabrida que sai pelos poros de uma tela quase abstracta, pela alegria com que os novos realizadores se deixavam levar pelos filmes negros americanos, com histórias de raparigas sedutoras, carros à desfilada por cima dos passeios, um milhão de dólares por aí, alguns revólveres bem oleados…

Quem vê «Bando à Parte» fica esclarecido quanto ao poder criativo do cinema e à sua esperança em mudar os códigos da arte e do mundo. Ou como o mundo desconstruído se revela a cada nova vaga do cinema.

jef, outubro 2017

«Bando à Parte» (Bande à Part) de Jean-Luc Godard. Com Anna Karina, Sami Frey, Claude Brasseur, Louisa Colpeyn, Danièle Girard, Chantal Darget, Ernest Menzer, Georges Staquet, Jean-Claude Rémoleux, Claude Makovski, Jean-Luc Godard (narrador), segundo o romance “Fool’s Gold” de Dolores Hitchens, música: Michel Legrand. França, 1964, P/B, 94 min.

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