sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Sobre o filme «Stop Making Sense» de Jonathan Demme & Talking Heads, 1984














Gosto muito de filmes musicais e gosto também de dizer que «Stop Making Sense» é um dos melhores filmes musicais de sempre. Talvez seja exagero mas os filmes que têm a música como núcleo são especiais e tocam-me no córtex de um modo abstracto, baralhado, surgem-me nos ouvidos e no coração, talvez nos pés, sem passar pelas sinapses.

Digo isto e logo surge a consciência castradora dos exageros e delírios. «West Side Strory / Amor sem Barreiras» (Jerome Robbins e Robert Wise, 1961); «My Fair Lady / Minha Linda Senhora» (George Cukor, 1964); «A Flauta Mágica» (Ingmar Bergman, 1976); «The Last Waltz / A Última Valsa» (Martin Scorsese, 1978)… E o meu coração balança mesmo muito e concorda que deve ser o Diabo a vir escolher!

Logo depois volto à primeira estaca. Porque «Stop Makins Sense» é muito mais do que toda a energia frontal dos Talking Heads, toda a filosofia de um palco amplo e em construção, sem paredes ou ameias onde, sozinho, apenas acompanhado por um falso leitor de cassetes a pilhas, David Byrne canta, trôpego e insano, «Psyco Killer».

Porque é muito mais do que um cenário a fechar-se sobre as personagens que surgem, uma a uma, canção a canção, palavra breve e sincopada, ritmo sobre a paranóia de «Heaven», como numa discoteca perdida onde os humanos se lançam contra a luz negra, intermitente e louca.

Eles chegam, alguns de fatos de palhaço cinzento e sério, extravagante, e abanam os membros para sacudir a melancolia, a nostalgia, a submissão, o senso psicadélico do corpo, enquanto a equipa técnica vai iluminando os corpos que, para entender o que dizem, têm de dançar. Como David Byrne sempre afirmou (e Gonçalo M. Tavares corroborará): «Burning Down the House».

Porque estamos em 1984 e já foram editados grande parte dos discos da música mais descentrada dos Talking Heads: «Found a Job». Porque os Tom Tom Club já tinham sido formados por Tina Weymouth e Chris Frantz, dentro e fora do espectáculo: «Genius of Love». Porque Brian Eno fazia muitos e bons estragos: «Once in a Lifetime».

Porque Jonathan Demme resolve cenicamente a quarta dimensão de um concerto que, deste modo, se tornou inesquecível, repetível, dando-lhe a visão de planos cortados e das palavras insubordinadas no interior da estratégia fundamental, romântica e futurista, dos Talking Heads.

jef, outubro 2017

«Stop Making Sense» de Jonathan Demme & Talking Heads. Com David Byrne, Tina Weymouth, Chris Frantz, Jerry Harrison, BernieWorrell, Alex Weir, Steve Scales, Lynn Mabry, Edna Holt. EUA, 1984, Cores, 84 min.

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