«Quem
tem duas mulheres perde a alma, quem tem duas casas perde a razão», parece
perorar o coro grego ou, do alto da dramaturgia, o deus ex machina chamado Éric
Rohmer. Um facto é que nunca mais esqueci tal máxima e também o respectivo filme
quando o vi em estreia na sala de cinema.
Na
facilidade de contar uma história que até parece nem ser uma história vai
costurando recados, frases, truques de narrativa, entre o vai e vem das
personagens. Aqui, a figura feminina de Rohmer é Louise (Pascale
Ogier) que avança na sua certeza teimosa de amar sem prisões, de ter um amigo
confidente, Octave (Fabrice Luchini), viver nos arredores com o companheiro Rémi
(Tchéky Karyo), decorar um estúdio em Paris onde pernoita quando perde o último
comboio. Louise deseja usufruir da solidão e encontrar-se com o mundo que só a
ela pertence. Digamos que a insatisfação Louise é a contrária da insatisfação
de Delphine em «O Raio Verde» (1986). Louise quer reencontrar-se na solidão
mantendo-se dentro do mundo, enquanto Delphine quer erradicar a solidão
demostrando ao mundo que esta não é o cerne do problema.
Contudo
a cidade de Paris não é uma aldeia assim tão grande e os seus caminhos podem
ser muito mais simples e directos do que aparentam. Se o choro de Delphine em «O
Raio Verde» é um lamento pelo desajustado universo em seu redor, as lágrimas de
Louise em «Noites de Lua Cheia» são de pura melancolia pela constatação do seu
próprio desalinhamento face ao dos restantes planetas.
Éric
Rohmer, um mestre em contar histórias com um pudor despudorado pela intimidade
das personagens que se atrevem a entrar nos seus argumentos.
jef, outubro 2021
«Noites
de Lua Cheia» (Les Nuits de la Pleine Lune) de Éric Rohmer. Com Pascale Ogier, Tchéky
Karyo, Fabrice Luchini, Virginie Thévenet, Christian Vadim, László Szabó, Lisa
Garneri, Mathieu Schiffman, Anne-Séverine Liotard, Hervé
Grandsart. Argumento: Éric Rohmer. Produção: Margaret Ménégoz. Fotografia:
Renato Berta. Música: Jacno Elli Medeiros. França, 1984, Cores, 101 min.
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