quinta-feira, 5 de maio de 2022

Sobre o disco «Shostakovich: Violin Concerto n.º 2; Schumann / Shostakovich: Violin Concerto in A minor» por Gidon Kremer e a Boston Symphony Orchestra (Seiji Ozawa), 1992. Deustche Grammophon, 1994.








Para acabar de vez com o romantismo nos Concertos.

Tomemos o Concerto n.º 2 para violino de Chostakovich pelo seu lado mais violentamente existencialista, denso, duro, psicanalítico. No centro, essa personagem principal, o virtuoso violinista, aqui o enorme Gidon Kremer, no original dedicado ao amigo do compositor, o violinista David Oistrakh, em 1963. O instrumento solista surge logo no primeiro andamento (Moderato) como um ser solitário, antecedido ou perseguido por uma orquestra que parece morder-lhe os calcanhares, lançando deixas de futuras melodias ou espicaçando-o com meios-tons que surgem como figuras mais ou menos sinistras que o envolvem em trechos tocados pelos diversos naipes isolados de instrumentos, como motivos de uma fantasia ou de um bailado. No seguinte, Adagio, a orquestra, em uníssono, torna-se na soturna rainha da noite ou um certo sudário para um quase solilóquio de um violino em profunda instrospecção desesperada. No final, a orquestra volta luminosa para dar entrada, em continuo, ao terceiro andamento (Adagio – Allegro) onde o violino se reconcilia alegremente com os restantes músicos que, ao contrário dos andamentos precedentes, parece ajudarem o violino a revelar-se, finalmente, em melodias virtuosas e sincopadas, como piruetas circenses ou pontuações cinematográficas, composições estas que o compositor bem conhecia.

A nova orquestração para a transposição do Concerto para violoncelo op. 129 de Robert Schumann, demostra, pelo contrário, como o romantismo pode ser bafejado por essa dose do espectro sincero e modernista de Chostakovich (1963). Nos três andamentos (não muito rápido / lento / muito vivo) é a orquestra que toma o pulso ao ritmo e entrega ao violino solista, acompanhando-o, o balancear de uma certa valsa que se alegra ou entristece mas nunca faz perder o seu par.

Se não caírem os parentes musicais na lama (e cinema à parte), confesso que me lembrei de Gustav Mahler, Franz Schubert e Bernard Herrmann.

Viva Dmitri Chostakovich e Gidon Kremer (e a Orquestra Sinfónica de Boston e o maestro Seiji Ozawa)!


jef, maio 2022

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