sexta-feira, 20 de maio de 2022

Sobre o filme «Paris 13» de Jacques Audiard, 2021


























Esta parábola sexual tem por premissa a imagem de que o sexo e o amor podem salvar a cidade. Na memória surgiu-me um outro filme que argumentava igualmente que a colmeia urbana seria redimida através da reconciliação amorável dos corpos e dos sexos: essa bela peça cinematográfica, sem classificação possível, chamada «Shortbus» de John Cameron Mitchell (2006). Neste último caso, a cidade a ser salva é Nova Iorque do pós-11 de Setembro. Agora, no filme de Jacques Audiard é a cidade de Paris da actualidade.

Tudo se passa no velho 13º arrondissement enclausurado na arquitectura vertical do aço, betão e vidro, multilinguístico, jovem, estudantil, cheio de trabalho precário e descartável. Uma cidade fortuita e acelerada, com encontros e desencontros reais e virtuais, com solidão e ansiedade, contudo ainda centrada na estratégia dos corpos reunidos como consumação da proximidade emocional. Nesse aspecto, «Paris 13» é uma comédia romântica desesperada, um divertimento ou scherzo angustiado. Uma espécie de comédia triste e simbólica tentando copiar o proverbial modo cinematográfico de Éric Rohmer.

A história é simples. Camille (Makita Samba) procura um quarto para alugar em casa de Émilie (Lucie Zhang) que pretende uma rapariga mas sai-lhe assim um rapaz com nome de rapariga. Ela trabalha num call-center. Ele é professor da escola Fernand Léger (nem de propósito, pois a bela fotografia de Paul Guilhaume mostra-nos uma cidade intensamente geométrica, plana e realista). Camille pretende fazer uma pausa antes de embarcar no doutoramento mas acaba a fazer um biscate na agência imobiliária de um amigo. Reclama por ajudante e surge-lhe Nora (Noémie Merlant) que gostaria de cursar direito mas, por virtuais circunstâncias da vida, vai conhecer Amber Sweet (Jehnny Beth) que trabalha no etéreo mundo das plataformas virtuais. Só isto.

Émilie é inconstante, exigente, volúvel e apaixonada. Camille é obstinado, sério, amoroso e apaixonado. Nora deseja a mudança mas busca qualquer coisa de que não tem bem a certeza.

Um filme sobre a procura permanente da redenção de uma cidade. Uma cidade que se moderniza afectivamente a partir dos sobressaltos vindos do passado e da pulsão incerta com que o futuro a ameaça.


jef, maio 2022

«Paris 13» (Les Olympiades, Paris 13e) de Jacques Audiard. Com Lucie Zhang, Makita Samba, Noémie Merlant, Jehnny Beth, Camille Léon-Fucien, Oceane Cairaty, Anaïde Rozam, Pol White, Rong-Ying Yang, Geneviève Doang, Xing Xing Cheng. Argumento: Jacques Audiard, Céline Sciamma, Léa Mysius, Adrian Tomine, a partir de três contos deste última. Produção: Valérie Schermann e Jacques Audiard. Fotografia: Paul Guilhaume. Música: Rone. França, 2021, Cores, 105 min.

 

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